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RESENHA
Obra leva à reflexão sobre o corporativismo do Judiciário
LUIZ ANTONIO GUIMARÃES MARREY
ESPECIAL PARA A FOLHA
No momento em que o tema da corrupção está colocado como uma das principais
preocupações do povo brasileiro, é oportuno o lançamento do livro "Juízes no Banco dos Réus", de autoria do jornalista Frederico Vasconcelos.
O autor é profissional que tem se
destacado pelo exercício do jornalismo investigativo e reconhecido
pelo recebimento de diversos e
tradicionais prêmios nessa área.
A obra trata de investigações sobre a conduta de magistrados, policiais e procuradores e outros servidores da Justiça Federal da 3ª
Região, com sede em São Paulo,
começando pelo enriquecimento
ilícito de juízes e a lentidão e dificuldade na apuração desses fatos,
passando por laudos periciais feitos para gerar indenizações milionárias e lesivas ao poder público, o
caso do TRT de São Paulo e culminando com a denúncia da existência de organização criminosa revelada na Operação Anaconda.
Em narrativa organizada e factual, o texto revela preocupante e
inaceitável prática de crimes de
"tráfico de influência, abuso de
poder, ameaça, corrupção ativa e
passiva, prevaricação, falsificação
de documentos, advocacia administrativa, interceptação telefônica sem autorização judicial", lista
de crimes feita pela desembargadora Therezinha Cazerta e imputados a magistrados e outros.
Vão aparecendo narrativas de
práticas corruptas e promíscuas
na atividade judiciária e a preocupante demora das autoridades
responsáveis em fazer cessar e punir tais condutas.
É fato notório que no ambiente
forense há muitos anos se ouvia
rumores sobre o modo de agir de
juiz federal que atuava em São
Paulo e que chegou a ser afastado
de suas funções por ameaçar o
presidente do tribunal e que, por
inércia da Justiça, conseguiu retomar as atividades, para anos depois ser preso em face de denúncia da Operação Anaconda.
Isso leva à necessária discussão
sobre o corporativismo e outros
mecanismos amortecedores da
correta apuração de condutas irregulares de integrantes da Justiça. Por um lado é evidente que
profissionais corruptos são absoluta minoria entre juízes, categoria formada, na sua maior parte,
de pessoas que trabalham muito e
de maneira correta.
No entanto, parece evidente
que, se não houvesse a publicidade dos fatos narrados neste livro
pela imprensa diária, alguns personagens se sentiriam mais à vontade para "empurrar o lixo para
debaixo do tapete"...
É claro que há sempre uma tensão entre valores consagrados na
Constituição, como o da publicidade dos atos oficiais e o direito da
população tomar conhecimento
dos assuntos de interesse público,
de um lado e os da defesa da imagem e reputação e o da presunção
da inocência, de outro.
Notícias precipitadas e sem a devida documentação podem efetivamente levar a prejuízos pessoais
graves. No entanto, sem publicidade e sem imprensa livre cria-se
um clima propício às falcatruas e à
impunidade da corrupção.
No conflito entre os valores,
quando se trata de gestão pública
e de assuntos de interesse público,
a publicidade deve sempre prevalecer, ainda que com as cautelas
do bom jornalismo.
Nesse sentido é exemplar o procedimento do jornalista Frederico
Vasconcelos, procurando ouvir e
dar a versão dos acusados, mostrando-se paciente até mesmo
quando algumas delas parecem
enlouquecidas e sem fundamento, mas permitindo que o leitor tenha informação equilibrada para
formar a sua convicção.
A narrativa procura sempre trazer diversas versões, o ponto de
vista dos membros do Ministério
Público que de maneira tenaz procuraram fazer cumprir a lei, a dos
acusados, e o teor das decisões pelas quais a Justiça Federal procura
fazer a limpeza de sua própria casa.
Traz ainda a transcrição de reveladoras conversas, tais como a
de um dos acusados, que se orgulha de que "o crime perfeito só
existe se você pensar em tudo. Só
isso. Eu consigo fazer porque penso em tudo".
Em suma, no Brasil contemporâneo, a obra é de leitura necessária para todos os cidadãos, juízes,
procuradores, advogados, jornalistas, policiais, políticos e os que
procuram construir um país limpo nos seus costumes e práticas
públicas e privadas.
Luiz Antonio Guimarães Marrey, 49, é
procurador de Justiça, foi procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo e
exerce o cargo de secretário dos Negócios Jurídicos do Município de São Paulo
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