São Paulo, domingo, 12 de junho de 2005

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RESENHA

Obra leva à reflexão sobre o corporativismo do Judiciário

LUIZ ANTONIO GUIMARÃES MARREY
ESPECIAL PARA A FOLHA

No momento em que o tema da corrupção está colocado como uma das principais preocupações do povo brasileiro, é oportuno o lançamento do livro "Juízes no Banco dos Réus", de autoria do jornalista Frederico Vasconcelos.
O autor é profissional que tem se destacado pelo exercício do jornalismo investigativo e reconhecido pelo recebimento de diversos e tradicionais prêmios nessa área.
A obra trata de investigações sobre a conduta de magistrados, policiais e procuradores e outros servidores da Justiça Federal da 3ª Região, com sede em São Paulo, começando pelo enriquecimento ilícito de juízes e a lentidão e dificuldade na apuração desses fatos, passando por laudos periciais feitos para gerar indenizações milionárias e lesivas ao poder público, o caso do TRT de São Paulo e culminando com a denúncia da existência de organização criminosa revelada na Operação Anaconda.
Em narrativa organizada e factual, o texto revela preocupante e inaceitável prática de crimes de "tráfico de influência, abuso de poder, ameaça, corrupção ativa e passiva, prevaricação, falsificação de documentos, advocacia administrativa, interceptação telefônica sem autorização judicial", lista de crimes feita pela desembargadora Therezinha Cazerta e imputados a magistrados e outros.
Vão aparecendo narrativas de práticas corruptas e promíscuas na atividade judiciária e a preocupante demora das autoridades responsáveis em fazer cessar e punir tais condutas.
É fato notório que no ambiente forense há muitos anos se ouvia rumores sobre o modo de agir de juiz federal que atuava em São Paulo e que chegou a ser afastado de suas funções por ameaçar o presidente do tribunal e que, por inércia da Justiça, conseguiu retomar as atividades, para anos depois ser preso em face de denúncia da Operação Anaconda.
Isso leva à necessária discussão sobre o corporativismo e outros mecanismos amortecedores da correta apuração de condutas irregulares de integrantes da Justiça. Por um lado é evidente que profissionais corruptos são absoluta minoria entre juízes, categoria formada, na sua maior parte, de pessoas que trabalham muito e de maneira correta.
No entanto, parece evidente que, se não houvesse a publicidade dos fatos narrados neste livro pela imprensa diária, alguns personagens se sentiriam mais à vontade para "empurrar o lixo para debaixo do tapete"...
É claro que há sempre uma tensão entre valores consagrados na Constituição, como o da publicidade dos atos oficiais e o direito da população tomar conhecimento dos assuntos de interesse público, de um lado e os da defesa da imagem e reputação e o da presunção da inocência, de outro.
Notícias precipitadas e sem a devida documentação podem efetivamente levar a prejuízos pessoais graves. No entanto, sem publicidade e sem imprensa livre cria-se um clima propício às falcatruas e à impunidade da corrupção.
No conflito entre os valores, quando se trata de gestão pública e de assuntos de interesse público, a publicidade deve sempre prevalecer, ainda que com as cautelas do bom jornalismo.
Nesse sentido é exemplar o procedimento do jornalista Frederico Vasconcelos, procurando ouvir e dar a versão dos acusados, mostrando-se paciente até mesmo quando algumas delas parecem enlouquecidas e sem fundamento, mas permitindo que o leitor tenha informação equilibrada para formar a sua convicção.
A narrativa procura sempre trazer diversas versões, o ponto de vista dos membros do Ministério Público que de maneira tenaz procuraram fazer cumprir a lei, a dos acusados, e o teor das decisões pelas quais a Justiça Federal procura fazer a limpeza de sua própria casa.
Traz ainda a transcrição de reveladoras conversas, tais como a de um dos acusados, que se orgulha de que "o crime perfeito só existe se você pensar em tudo. Só isso. Eu consigo fazer porque penso em tudo".
Em suma, no Brasil contemporâneo, a obra é de leitura necessária para todos os cidadãos, juízes, procuradores, advogados, jornalistas, policiais, políticos e os que procuram construir um país limpo nos seus costumes e práticas públicas e privadas.


Luiz Antonio Guimarães Marrey, 49, é procurador de Justiça, foi procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo e exerce o cargo de secretário dos Negócios Jurídicos do Município de São Paulo

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