São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2004

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BRASIL PROFUNDO

Coiab, organização indígena acusada de desviar recurso da saúde, firma convênio de R$ 4,7 milhões com a Funasa

ONG suspeita continua a ter verba federal

JULIANNA SOFIA
ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Mesmo sob suspeita de ter desviado recursos públicos do Ministério da Saúde, a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), uma das maiores ONGs indígenas do país, continua a receber dinheiro do governo federal.
No dia 1º de junho, a Coiab celebrou um convênio com a Funasa (Fundação Nacional da Saúde) no valor de R$ 4,726 milhões. Destina-se à prestação de assistência de saúde a índios da Amazônia.
A entidade está sob investigação do Ministério Público Federal. É acusada de descumprir um outro convênio com Funasa de saneamento em aldeias indígenas. A Funasa reconhece que sabe dos indícios de irregularidades.
Desde 1999, ano do primeiro convênio entre a Funasa e a Coiab, foram repassados R$ 16,8 milhões para a entidade. A conta não inclui o convênio deste ano de R$ 4,726 milhões. O primeiro desembolso no valor de R$ 300 mil, relativo a esse contrato, ocorreu há duas semanas.
O convênio de saneamento sob suspeição foi fechado em dezembro de 2001. Destinava R$ 569.448,09 à construção de sistema de abastecimento de água, o que incluía a perfuração de 13 poços artesianos em aldeias. A ONG deveria apresentar contrapartida financeira no mesmo valor.
Para construir os poços, porém, a Coiab teria contratado empresa de fachada. A operação foi comanda por um ex-engenheiro da Funasa, em combinação com a coordenação da ONG à época.
As obras estão inacabadas. Apenas 54% do sistema de abastecimento previsto foi implantado. Mas o dinheiro foi integralmente repassado pelo governo à entidade. O convênio foi encerrado em agosto do ano passado. As contas foram aprovadas pela Funasa.
Posteriormente, relatório técnico elaborado por engenheiros a serviço da Funasa concluiu: "Os motivos que levaram à baixa execução do convênio estão relacionados ao descumprimento do projeto por parte da convenente e o não-atendimento das especificações técnicas. Desta forma, sugere-se a não-aprovação técnica desse convênio". Era tarde.
No Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal), o convênio é classificado como "adimplente" pela Funasa, mesmo sem que as obras tenham sido concluídas.

Desfalque
Auditoria independente encomendada pelo Conselho Deliberativo e Fiscal da própria Coiab revela uma seqüência de fraudes. Foram analisados dados referentes ao período de janeiro de janeiro de 2001 a junho de 2002. Entre os problemas detectados pela equipe de auditagem há um desfalque de R$ 104 mil.
O documento detalha ainda outros atos ilegais como processos licitatórios forjados para contratação de empresas que prestaram serviços para a ONG no período.
Após receber o resultado da auditoria, o conselho da Coiab afastou a coordenação da entidade na época, que estava nas mãos do índio Cláudio Pereira Mura. Mas a nova gestão, comanda pelo saterê-mauê Jecinaldo Barbosa Cabral, não regularizou a situação.
A auditoria, realizada pela empresa Souza Auditores Independentes S/C em Manaus, foi entregue ao Ministério Público Federal e ao PDPI (Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas), um projeto do Ministério do Meio Ambiente para preservação de florestas. A procuradora da República Isabela Brant é a responsável pela investigação do caso Coiab.
As fraudes levantadas pela consultoria mostram que a Coiab usou notas frias para justificar gastos. As faturas frias foram usadas, inclusive, para prestação de contas de um outro convênio realizado com a Funasa em 2001, quando foram liberados R$ 3,281 milhões para a ONG. Na época, a fundação recusou as faturas.
Ainda segundo a auditoria, a contratação da empresa para executar obras previstas no convênio de saneamento foi fraudada de forma "grosseira". Por administrar recursos públicos, a ONG é obrigada a realizar licitações na contratação de serviços.
Das três empresas que concorreram no processo licitatório, duas não tinham a documentação necessária. A vencedora, Santos & Gama Ltda., apresentou cópia de contrato social, no qual é informado capital social de R$ 1.000.


Colaborou KÁTIA BRASIL, da Agência Folha, em Manaus


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