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FISCO EM GUERRA
Conversas do secretário com auxiliares grampeados pela PF mostram conflito do grupo com corregedor
Gravação de Rachid expõe intriga na Receita
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A Polícia Federal grampeou os
telefones de integrantes da alta
cúpula do fisco. Gravações obtidas pela Folha revelam: a voz do
próprio secretário da Receita, Jorge Rachid, foi captada pela escuta.
Recheados de intrigas e palavrões,
os diálogos expõem o ambiente
de guerra campal que se instalou
numa das repartições mais estratégicas da Esplanada.
A pedido do Ministério Público
Federal e com autorização judicial, a Polícia Federal interceptou
aparelhos celulares e telefones fixos de três pessoas. São todos
amigos e auxiliares diretos do secretário Jorge Rachid.
São eles:
1) Ricardo Pinheiro: é um dos
secretários-adjuntos e o segundo
homem na hierarquia da Receita.
Braço direito de Everardo Maciel,
ex-secretário do órgão, foi mantido no cargo pelo presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. É o substituto
eventual de Rachid;
2) Leonardo Couto: até duas semanas atrás, era o terceiro nome
do organograma do fisco. Pediu
afastamento do cargo de secretário-adjunto, para o qual fora nomeado também por Lula;
3) Nilton Tadeu. É superintendente da Receita para a região
Centro-Oeste. No governo Fernando Henrique Cardoso, era delegado do fisco em Brasília.
A voz de Rachid foi captada por
tabela, ao trocar telefonemas com
pelo menos dois dos grampeados:
Ricardo Pinheiro e Nilton Tadeu.
Falam sempre de Moacir Leão. É
o corregedor da Receita. Dedica-se, desde março, a investigar o
primeiro escalão do fisco.
"É muito grave, acusação gravíssima", disse Rachid, voz tensa,
a Ricardo Pinheiro, na tarde do
sábado 2 de agosto. O secretário
tinha nas mãos a cópia de reportagem que circulava na revista
"Época" daquele final de semana.
Rachid leu para o auxiliar o
enunciado da notícia: "Corregedor instala comissão de inquérito
para investigar secretário da Receita. Muito grave, entendeu?" E
Pinheiro: "Vamo pro pau." Rachid concorda: "A ação tem que
ser enérgica e imediata".
Reação
Ao contrário da intenção revelada na intimidade de um diálogo
que se imaginava privado, a
"ação" de Rachid nem foi enérgica nem imediata. Tonificou-se entre os assessores do secretário a
impressão de que o chefe comportava-se com tibieza incompatível com a dimensão da crise.
O corregedor Moacir Leão decidira investigar a suspeita de irregularidade em torno de uma infração de R$ 1,1 bilhão imposta
pelo fisco à construtora OAS em
1994. Analisando recurso da empresa, o Conselho de Contribuintes podou a multa, reduzindo-a
para R$ 25 milhões. Entre os fiscais que lavraram o auto estava
Jorge Rachid, então mero auditor,
lotado em Salvador.
"O único direito que ele tem é o
direito à ira. Ele não tem direito de
angústia, ele não tem direito de
preocupação", disse Pinheiro,
braço direito de Rachid, ao superintendente do fisco para o Centro-Oeste, Nilton Tadeu.
"Nós temos tudo na mão, a faca
e o queijo", diz Tadeu, no mesmo
diálogo. "Isso aqui fica mais triste
porque é uma imagem que [se]
vem construindo ao longo de
anos. De repente, um insano
[Moacir Leão] derruba tudo isso."
Nilton Tadeu é, a exemplo de
Rachid, alvo do corregedor Leão.
Apura-se a suspeita de que teria
pressionado dois auditores para
encerrar "rapidamente e sem resultados" investigação fiscal em
torno de Eduardo Jorge Caldas
Pereira, ex-secretário-geral da
Presidência (gestão FHC). Uma
acusação que, munido de documentos, Tadeu refuta.
A conduta de Rachid destoa da
de seus auxiliares. Como eles,
concordava que os gestos do corregedor Moacir Leão não podiam
ficar sem resposta. Mas hesitava
até mesmo ao tratar de detalhes
triviais. Como no instante em que
marcou um encontro para o domingo 3 de agosto.
Ricardo Pinheiro defendia a
realização da reunião na sede da
própria Receita. "Essa merda pra
mim é institucional. Não vai ser
na minha casa nem na sua." E Rachid: "O problema é que vão aparecer os nossos carros lá e vai chamar a atenção." Pinheiro se exalta: "Mas é pra isso mesmo [...]".
Desabafo
"Nem eu nem ninguém entende
como é que isso tá chegando tão
longe, porra", desabafou o auditor fiscal Flávio Franco Corrêa em
outro diálogo captado pela Polícia
Federal. Corrêa é amigo de Rachid. Trabalha no Rio de Janeiro.
Integra a "força tarefa" que investiga o sumiço de dívidas de empresários dos computadores da
Receita. Falava com o também
amigo Leonardo Couto, àquela altura ainda lotado na assessoria direta de Rachid. Caiu justamente
por conta do diálogo com Corrêa.
Couto responde a inquérito administrativo aberto por iniciativa
do corregedor Leão, que o acusa
de atrapalhar o trabalho da Corregedoria. Acusam-no da tentativa
de proteger os ex-auditores fiscais
Paulo Baltazar e Sandro Martins,
sob investigação da Corregedoria.
Foi sob a orientação de ambos
que a OAS logrou reduzir de R$
1,1 bilhão para R$ 25 milhões a
multa que Rachid ajudou a calcular. Foi para levar adiante as investigações contra Baltazar e Martins que o Ministério Público requisitou à Justiça a quebra do sigilo telefônico dos integrantes da
cúpula da Receita.
"Eu vou falar com ele [Rachid]
no telefone, ele fica com medo de
falar", disse Corrêa a Couto.
"Acho que ele tá preocupado. De
repente, o telefone tá grampeado,
qualquer coisa assim. Aí fica falando por códigos [...] Ele é inseguro pra c... [...] Ele deve sofrer
muito porque não toma decisão,
porra."
Rachid foi alertado pelo superintendente Nilton Tadeu acerca
de um sentimento que contaminava os demais chefes da Receita
nos Estados. "O pessoal tá preocupado [...] Porque não sabe qual
a resposta que cê tá dando e que
foi longe demais, né? [...] Na verdade, não tamo divulgando nada
nem pra dentro, não é?"
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