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NO PLANALTO
Lula concede, à surdina, mamata previdenciária
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Um naco da indústria nacional encontrou uma maneira
de fazer sumir débitos previdenciários dos computadores do governo. Coisa segura. Passa longe
dos sempre arriscados guichês de
fiscais desonestos. Melhor: traz a
chancela de Luiz Inácio Lula da
Silva.
Sob o calor do consentimento
presidencial, evaporaram-se no
mês passado lotes de dívidas da
agroindústria com a Previdência.
Referem-se ao período de 1994 a
1997. Brasília evita contabilizar o
beiço. Sabe-se apenas que é milionário.
Deu-se o seguinte:
1) em 1994 (gestão Itamar Franco), o governo mandou ao Congresso projeto alterando a contribuição previdenciária de empresas dedicadas à produção rural.
Em vez de 20% sobre a folha de
pagamento, passariam a recolher
2,5% sobre o faturamento. Aprovada, a proposta virou lei;
2) a pedido da bancada ruralista, a mudança foi estendida à
agroindústria. Também passou a
recolher 2,5%. Não sobre o faturamento global, mas sobre o valor
estimado de sua produção agrícola própria;
3) para setores como o sucroalcooleiro, que operam com fartura
de mão-de-obra, a troca da folha
salarial pela estimativa de faturamento foi negócio da China. Para
a agroindústria, mais mecanizada e com folha enxuta, revelou-se
presente de grego;
4) a agroindústria rachou. De
um lado, empresas gerenciadoras
de grandes plantações. À frente,
as canavieiras. De outro, controladoras de criatórios de animais,
em especial frangos e suínos;
5) em atenção ao segundo grupo, a Confederação Nacional da
Indústria foi ao STF. Arguiu a inconstitucionalidade da lei. Em
votação apertada, o Supremo
derrubou a nova regra em 1997
(sob FHC). Pesou, entre outras, a
tese de que a Constituição não
prevê a estimativa de produção
como base de cálculo para a contribuição previdenciária;
6) a decisão do STF impôs à Previdência a revisão dos recolhimentos feitos pela agroindústria
entre 1994 e 1997. Voltou-se à contribuição sobre a folha salarial.
Deu-se a encrenca;
7) aquelas empresas que, mais
lucrativas, haviam recolhido em
excesso, tornaram-se credoras do
Estado. E obtiveram a devolução
da grana. Puderam optar entre
receber em moeda sonante ou na
forma de compensação de débitos
futuros. Aquelas firmas que, ao
contrário, haviam recolhido a
menos, foram intimadas a pagar
a diferença. Não pagaram;
8) em 2001 (ainda FHC), de novo por obra, graça e pressão dos
agroparlamentares, o Congresso
aprovou a volta da contribuição
previdenciária sobre o faturamento. Dessa vez, porém, teve-se
o cuidado de excluir das novas regras a agroindústria mecanizada.
Para as beneficiadoras de frangos, suínos, camarões e peixes
continuou valendo o recolhimento sobre a folha;
9) instalou-se a atmosfera de felicidade geral. Remanescia, porém, o passivo do período 1994/
1997. E nada de pagamento;
10) pressionado a perdoar o débito, o governo FHC fez ouvidos
moucos. Ressentia-se da péssima
repercussão de favores que fizera
à bancada ruralista. Entre eles a
rolagem de dívidas e a abertura
de linha de crédito de R$ 7 bilhões, a juros de 3% ao ano. Uma
taxa "de pai para filho", escreveu
à época um Lula ainda na oposição;
11) no início de 2003, na surdina, os ruralistas tramaram no
Congresso o arremate fatal. Materializou-se na forma de um projeto de lei que concede a remissão
dos débitos do passado. Aprovado
sem alarde, o perdão foi frangado
pela imprensa, entretida com a
tramitação das reformas constitucionais;
12) em 15 de setembro passado,
um Lula agora preocupado em
adensar a bancada que lhe dá suporte no Congresso sancionou o
projeto. Traz o propósito anotado
já no preâmbulo: "Concede remissão de débito previdenciário
do período de abril de 1994 a abril
de 1997". Virou lei. Foi ao "Diário
Oficial" sob o número 10.736.
O repórter tentou, nos últimos
15 dias, descobrir o valor do refresco previdenciário. O Planalto
não sabe. A Previdência ignora. O
Congresso desconhece. Todos falam em "milhões de reais". Mas
ninguém consegue fornecer a cifra exata.
Como se vê, a praça dos Três
Poderes oferece ao meio empresarial formas mais astutas de apagar débitos nos computadores do
Estado do que o pagamento de
propinas a fiscais vira-casacas.
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