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NO AR
Show da vida
NELSON DE SÁ
EDITOR DA ILUSTRADA
A realidade, ainda que
um show de realidade, tomou afinal o lugar da política
na televisão.
Desde sexta-feira que Suzane,
que matou os pais, e Pedrinho,
que foi encontrado pelos pais,
ocupam o tempo antes destinado a Lula e FHC.
Depois de uma cobertura eleitoral em que não se ouviram reclamos de discriminação ou
maniqueísmo, os telejornais caíram sedentos sobre as duas histórias.
Alguns, caso do Cidade Alerta
de Luiz Datena, trataram a primeira história, desde logo, com
expressões como "pulhas" etc.
Outros abraçaram o drama,
carregando as reportagens de
fundos musicais e deixando os
adjetivos para delegados, vizinhos, até uma carcereira.
No Fantástico, que já foi o
"show da vida", um promotor
dizia sobre a filha assassina:
- Trata-se de um monstro, o
monstro do Campo Belo.
E um delegado:
- Um crime bárbaro, que
choca até o mais experiente policial.
Ouviram-se psiquiatras, que
questionaram a "sociedade materialista", a "inconsequência",
as "drogas".
Outros responsabilizaram a
maconha pelo "desvio de comportamento dos jovens". A Globo, ontem, foi atrás da Unesco
para relacionar a droga aos assassinatos.
E tome uma vizinha "que não
quis ser identificada", falando
sobre a família do namorado da
filha:
- Era uma família muito estranha. Os filhos eram agressivos. Não era uma família querida pela vizinhança.
A certa altura, alguém descreveu que um dos filhos deixava
seu cachorro "fazer cocô" na
porta dos vizinhos.
E tome uma carcereira, descrevendo a filha:
- Uma pessoa calma.
Uma pausa, e a carcereira
muda de idéia:
- Particularmente? Uma
pessoa fria.
Mas havia o outro lado, a segunda história, sem "monstro" e
com final feliz, da descoberta do
filho de 16 anos pelos pais que o
procuravam desde a maternidade.
As emissoras, Globo à frente,
acompanharam o mais que puderam o encontro. Registraram
até a respiração da mãe, ao caminhar para ver o filho, sob a locução:
- A emoção deixa o caminho
longo demais.
Pedrinho de início, depois Oswaldo, ontem Pedrinho de novo, o menino foi descrito como
"aluno exemplar", que "fez
questão de ir à escola e continuar a vida como era antes da
descoberta dos pais".
E que já programou, na sorridente manchete do Jornal Nacional, que vai passar as férias
com os novos pais.
Lula e FHC fazem o possível
para manter seu show com audiência.
O presidente eleito vai à Bahia, recebe mais beijos e fita do
Bonfim, posa com ACM. O presidente vai a Portugal para falar, é claro, do Brasil.
Não adianta, os dois já ficaram para trás, depois de um ano
de interminável campanha.
Agora, a mesma atenção, só em
2003 -ou 2006.
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