São Paulo, terça-feira, 12 de novembro de 2002

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NO AR

Show da vida

NELSON DE SÁ
EDITOR DA ILUSTRADA

A realidade, ainda que um show de realidade, tomou afinal o lugar da política na televisão.
Desde sexta-feira que Suzane, que matou os pais, e Pedrinho, que foi encontrado pelos pais, ocupam o tempo antes destinado a Lula e FHC.
Depois de uma cobertura eleitoral em que não se ouviram reclamos de discriminação ou maniqueísmo, os telejornais caíram sedentos sobre as duas histórias.
Alguns, caso do Cidade Alerta de Luiz Datena, trataram a primeira história, desde logo, com expressões como "pulhas" etc.
Outros abraçaram o drama, carregando as reportagens de fundos musicais e deixando os adjetivos para delegados, vizinhos, até uma carcereira.
No Fantástico, que já foi o "show da vida", um promotor dizia sobre a filha assassina:
- Trata-se de um monstro, o monstro do Campo Belo.
E um delegado:
- Um crime bárbaro, que choca até o mais experiente policial.
Ouviram-se psiquiatras, que questionaram a "sociedade materialista", a "inconsequência", as "drogas".
Outros responsabilizaram a maconha pelo "desvio de comportamento dos jovens". A Globo, ontem, foi atrás da Unesco para relacionar a droga aos assassinatos.
E tome uma vizinha "que não quis ser identificada", falando sobre a família do namorado da filha:
- Era uma família muito estranha. Os filhos eram agressivos. Não era uma família querida pela vizinhança.
A certa altura, alguém descreveu que um dos filhos deixava seu cachorro "fazer cocô" na porta dos vizinhos.
E tome uma carcereira, descrevendo a filha:
- Uma pessoa calma.
Uma pausa, e a carcereira muda de idéia:
- Particularmente? Uma pessoa fria.
Mas havia o outro lado, a segunda história, sem "monstro" e com final feliz, da descoberta do filho de 16 anos pelos pais que o procuravam desde a maternidade.
As emissoras, Globo à frente, acompanharam o mais que puderam o encontro. Registraram até a respiração da mãe, ao caminhar para ver o filho, sob a locução:
- A emoção deixa o caminho longo demais.
Pedrinho de início, depois Oswaldo, ontem Pedrinho de novo, o menino foi descrito como "aluno exemplar", que "fez questão de ir à escola e continuar a vida como era antes da descoberta dos pais".
E que já programou, na sorridente manchete do Jornal Nacional, que vai passar as férias com os novos pais.
 
Lula e FHC fazem o possível para manter seu show com audiência.
O presidente eleito vai à Bahia, recebe mais beijos e fita do Bonfim, posa com ACM. O presidente vai a Portugal para falar, é claro, do Brasil.
Não adianta, os dois já ficaram para trás, depois de um ano de interminável campanha. Agora, a mesma atenção, só em 2003 -ou 2006.



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