São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

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Militares apóiam coronel acusado de tortura

Oficiais evocam Lei da Anistia e se mobilizam por Ustra; segundo coronel, esquerda terrorista foi responsável por 120 mortes

Coronel reformado do Exército enfrenta processo no qual é acusado de tortura nos anos 70 contra cinco pessoas da mesma família

DA SUCURSAL DO RIO

O processo no qual o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra é acusado de tortura contra cinco pessoas da mesma família durante a ditadura desencadeou uma ampla mobilização de oficiais das Forças Armadas -já fora da ativa- em apoio ao réu.
O movimento se intensificou depois da audiência da quarta-feira, quando testemunhas de acusação afirmaram ter sido torturadas por Ustra na década de 1970. O pilar da argumentação dos oficiais solidários ao coronel é que a Lei de Anistia (1979) beneficiou não apenas os opositores condenados judicialmente mas também os funcionários dos governos militares, ainda que não tenham sido alvo de ações na Justiça.
"Não existe anistia só de um lado; a anistia só vale para eles?", pergunta o general-de-divisão (três estrelas) reformado Francisco Batista Torres de Melo, coordenador do Grupo Guararapes. Sediada em Fortaleza, a associação reúne 463 oficiais das Forças Armadas (32 generais) e 1.020 civis.
Um manifesto do Guararapes considera a ação contra Ustra "descabida" e uma "afronta" à Lei de Anistia.
O processo "é quase uma aberração", na opinião do general-de-exército (quatro estrelas, o máximo concedido) da reserva Gilberto Barbosa de Figueiredo. Ele preside o Clube Militar, no Rio de Janeiro.
"A lei [de 1979] valeu para os dois lados", diz o general. "Depois dela, o processo não cabe. É a mesma coisa que querer julgar alguém que assaltou um banco. Zerou o jogo. Não vai mais ser julgado por crime que cometeu na época."
A idéia é reafirmada pelo advogado Paulo Esteves, defensor de Ustra: "A moeda tem dois lados com idêntica possibilidade de propositura de ações. É o que a anistia buscou evitar".
"Há pessoas na administração pública que têm contra si imputações [por atitudes] que não são das mais corretas", diz Esteves. "[O processo] traz à baila um assunto que não interessa a ninguém. [No regime militar] ocorreram de lado a lado coisas desagradáveis."

Crimes da esquerda
O advogado se refere a crimes de assalto, seqüestro e morte cometidos por militantes da esquerda armada. Levantamento promovido por Ustra calcula em 120 os mortos e 330 os feridos em ações de guerrilha e terrorismo.
Com o codinome "Tibiriçá", o coronel dirigiu de setembro de 1970 a janeiro de 1974 a seção paulista do órgão centralizador do combate à oposição, o Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informações -Centro de Operações de Defesa Interna). Nesse período, pelo menos 40 presos foram mortos nesse local, conforme o jornalista Elio Gaspari no livro "A Ditadura Encurralada".
Os autores da ação contra Ustra são o casal Maria Amélia e César Teles, seus filhos, Janaína e Édson, e Criméia Almeida, irmã de Maria Amélia. Eles acusam o militar por seqüestro e tortura em 1972 e 1973. Janaína tinha 5 anos, e Édson, 4. Também foram levados para o Doi-Codi. Os adultos militavam no PC do B. Eles narram diversas modalidades de sevícias. Grávida então de sete meses, Criméia conta que também foi submetida a violência.
A ação declaratória não visa indenização pecuniária ou condenação. Pede o reconhecimento de Ustra como responsável por danos morais e à integridade física. Em primeira instância, a Justiça considerou que, como a Lei de Anistia trata de crimes, não se aplica a ações civis, e o processo prossegue.
A Folha tentou ouvir Ustra, 74, mas ele não respondeu ao recado. Em conversa em setembro, o militar chamou os relatos de "mentiradas". Disse que os acusadores ficam "inventando coisas" e "mulheres mentem". Atualmente ele se dedica a divulgar seu livro "A Verdade Sufocada", com a versão sobre os anos de poder militar e os crimes da esquerda.
Um dos promotores do lançamento do livro em Porto Alegre é o general-de-brigada (duas estrelas) reformado José Apolônio Neto. Para o oficial, "estão fazendo uma barbaridade com o coronel Ustra. É um ato de rebeldia do pessoal do outro lado da rua".
Indagado sobre o caso, o Exército respondeu que, "como o assunto está tramitando na Justiça, o Exército Brasileiro não se pronunciará".
(MÁRIO MAGALHÃES)


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