São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2005

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ELIO GASPARI

Santo Dias no jubileu do PT

O comissariado petista não festeja 25 anos, comemora jubileu. Todo José Genoino tem seu dia de Rainha Vitória. Há o PT do doutor Antonio Palocci, o do tesoureiro Delúbio Soares e o do companheiro Lula. O que fazem juntos, ninguém sabe direito. Como parte das comemorações do jubileu, os companheiros federais poderiam gastar um dinheirinho (ou fazer uma PPP) para distribuir a cada militante do Partido dos Trabalhadores um exemplar do livro "Santo Dias - Quando o Passado se Transforma em História", de Luciana Dias, Jô Azevedo e Nair Benedicto.
Santo Dias foi um roceiro que virou metalúrgico, líder comunitário e ativista sindical. Morreu num piquete de greve, com um tiro nas costas, no dia 30 de outubro de 1979. Matou-o um PM. Lula teve oferecida a caneta de Santo para assinar o termo de posse na Presidência da República. Quis o destino que, acidentalmente, aceitasse outra, do senador Ramez Tebet, leal governista desde os anos 70.
Se a biografia de Santo Dias ficasse apenas na sua comovente história talvez fosse uma leitura repetitiva. Em matéria de herói popular, já há Lula. Santo foi um católico no meio de uma geração de padres e freiras que ajudaram a mudar a cara do andar de baixo do Brasil. Mobilizou os moradores de bairros sem escolas, transportes ou postos de saúde. Aqueles trabalhadores da periferia que não conseguem escrituras de posse de suas casas. Sua história ajuda a pensar outros tempos, mas como o PT-Federal só pensa no futuro, o passado chega a ser uma impertinência.
Em plena ditadura, Santo Dias ajudou a criar um sentido de comunidade no bairro de Vila Remo, na zona sul de São Paulo. Ao lado, está Jardim Ângela. Pode-se dizer que uma comunidade retratou a periferia dos anos 70. A outra, retrata a de hoje.
Na sua primeira e melhor metade, o livro "Santo Dias" mostra o que os militantes do andar de baixo conseguiram a partir dos anos 60. Mostra também o que a militância do andar de cima, obteve a partir dos 80, em boa parte graças àquilo que o FMI chama de "forças não competitivas" do setor financeiro. Vila Remo testemunhou êxitos populares. Jardim Angela, ruína.
Ouça-se o padre Jaime Crowe, da Paróquia Santos Mártires:
"Em 1983, começa a onda de desemprego da crise econômica. O Jardim Ângela se fez das indústrias. (...) Com a saída dessas empresas na década de 1990, os bairros se empenharam numa luta pela sobrevivência sem igual e violenta, por conta do tráfico, da competição e da sociedade de consumo. O tráfico se instalou como opção de trabalho. (...) Constatamos (em 1998) que tem um bar para cada dez moradores, vendendo bebida alcoólica. O pessoal tem de trabalhar em algo e a falta de perspectivas alimenta o alcoolismo. Na rua em que moro, em 2002, um rapaz chamado Sérgio foi morto. Tinha 20 anos. O irmão dele, Moso, de 17 anos, já vivia de pequenos furtos, essas coisas. No dia seguinte, na hora de encomendar o corpo no cemitério São Luiz, o Moso falou assim pra mim: "Ele está melhor que eu", na frente do caixão. Quando faltava um dia para completar um ano da morte do irmão, eu encomendei o corpo do Moso. Quais perspectivas existem para essa juventude aqui?".
Luciana Dias, co-autora do livro, é filha de Santo. Tinha 12 anos quando um padre foi buscá-la na escola e o irmão mais velho, Santinho, contou-lhe: "Nosso pai morreu". Luciana formou-se em pedagogia pela PUC. Santo Dias Filho cursou o Senai e chegou ao segundo ano de engenharia metalúrgica. Desempregado, deixou a escola porque não tinha como pagar a mensalidade.
Lula foi ao enterro de Santo e discursou no cemitério: "Se os patrões pensam que, com a morte de Santo, os trabalhadores iriam ficar com medo, estamos aqui para mostrar que isso não aconteceu".
Pena, mas Santo Dias não entrou na cronologia que o PT colocou na internet como parte das comemorações do jubileu. Operário para entrar na história do Brasil, nem morrendo a bala.

Mantega na fritura
Em meados de janeiro, quando o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, defendeu a subordinação da taxa de juros camarada do BNDES (pode me chamar de TJLP) ao Banco Central, Guido Mantega, presidente do velho e bom BNDES, foi categórico: "A opinião do Levy não tem peso nenhum". Na semana passada, Levy defendeu novamente o alinhamento da TJLP ao humor do Copom. Mantega voltou a contestá-lo. Pode ser coincidência, mas esse tipo de saia justa tem a marca registrada da ekipekonômica fritando seu adversário da vez. A coisa funciona assim: 1) Juntam-se opiniões de pessoas qualificadas condenando uma determinada política como asnática. (O que não quer dizer que o seja, mas também não significa que não o seja. Indica apenas que pessoas respeitáveis condenam-a.) 2) Somam-se observações de técnicos internacionais, de preferência do FMI, na mesma direção. Obtido o verniz intelectual-cosmopolita vai-se à última etapa e cria-se uma simulação de confronto. Armado o choque interministerial ou disciplinar, o presidente da República, constrangido, frita seu aliado. Foi assim com Carlos Lessa em 2004, com Andrea Calabi em 2002 e com Clóvis Carvalho em 1999. Querem fritar o banqueiro-companheiro Guido Mantega.

Condy 2008
O Partido Democrata e a galera que detesta o presidente George Bush II sonha com um candidato capaz de acabar com o predomínio do Partido Republicano nos Estados Unidos. Pode ser um negro (o senador Barack Obama) ou uma mulher (a senadora Hillary Clinton). Bingo. Bush está criando o dois-em-um: Condoleezza Rice. É mulher, negra, toca piano, tem mais experiência que Obama e muito (mas muito) mais charme que Hillary. Com seu jeito de secretária-executiva do anos 50, ela é tudo o que o general Colin Powell não conseguiu ser.


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