São Paulo, sábado, 13 de março de 2004

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Presidente quis forçar reforma, diz historiador

Marco Antonio Villa, autor de perfil inédito de Jango, vê mitologia em torno de eventos ocorridos no Comício da Central do Brasil

DA REPORTAGEM LOCAL

O Comício da Central do Brasil, que completa 40 anos hoje, foi o instrumento encontrado pelo presidente João Goulart para forçar o Congresso a aprovar suas reformas. Há toda uma lenda de que o Congresso era contra as reformas, mas o fato é que, até o dia do comício, Jango não tinha enviado nenhuma delas.
As afirmações são do historiador Marco Antonio Villa, 48, professor da Universidade Federal de São Carlos e autor de "Jango - Um Perfil", biografia a ser lançada até o final do mês pela editora Globo, e de "Vida e Morte no Sertão -História das Secas no Nordeste nos Séculos 19 e 20", entre outros.
A seguir, trechos da entrevista à Folha. (SÉRGIO DÁVILA)
 

Folha - Em sua opinião, o Comício da Central precipitou o golpe?
Marco Antonio Villa -
Criou-se uma mitologia sobre o comício, como se ele tivesse sido o elemento que levasse à queda de Jango. Não é verdade. Foi organizado como meio de o governo pressionar o Congresso a aprovar uma série de reformas, as quais o próprio governo ainda não havia enviado.
Tanto que no dia seguinte, um sábado, não aconteceu absolutamente nada. Jango assina o decreto do congelamento de aluguéis e vai para Brasília, onde, no domingo, Darcy Ribeiro, então chefe da Casa Civil, leva a mensagem presidencial ao Congresso, que iniciava o ano legislativo.
Ainda houve uma recepção no Palácio do Planalto naquela noite, em que Jango se encontra com Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara e na prática o vice-presidente, e Auro Moura Andrade, do Senado. O governo considerava a situação tão tranqüila que o ministro da Guerra, general Jair Dantas Ribeiro, anuncia viagem de duas semanas para os EUA.
Há outra lenda, de que o Congresso era contra as reformas, mas os deputados e os senadores só souberam do desejo e do teor das reformas por meio daquela mensagem presidencial lida no dia 15, portanto dois dias depois.

Folha - Mas o discurso de Jango não foi considerado incendiário?
Villa -
Não, em termos políticos é absolutamente idêntico a uma série de discursos que ele vinha fazendo no mês de março, em visitas a universidades e guarnições militares. O radical naquela noite foi Leonel Brizola. Ali sim você tem alguém que quer fechar o Congresso Nacional.

Folha - E a presença ostensiva do Exército no ato?
Villa -
Primeiro, servia para mostrar o suposto apoio militar a Jango, reforçado pelo comparecimento dos três ministros militares no palanque. Segundo, naquela época não se dissociava muito o prestígio político das armas, político forte era o que tivesse votos mas também o apoio militar.

Folha - E a ameaça do golpe, já estava no ar?
Villa -
Vários grupos lutam pela hegemonia política naquele período. De um lado a direita, contra qualquer tipo de reforma. Do outro lado, os brizolistas e os comunistas, aliados a Jango, mas todos com projeto próprio.
Se você consultar o jornal "Panfleto" do começo de 1964, verá que o próprio Brizola dizia considerar Jango um indeciso. O Partidão era um aliado do presidente, mas havia também pequenos agrupamentos de extrema-esquerda, como o PC do B, criado dois anos antes, e a Polop.
O que une ambos os lados é que todos querem chegar ao poder por golpe, seja os militares, seja Brizola e mesmo Jango, no caso para continuar no poder. Tanto é assim que o golpe veio.

Folha - Em sua opinião, não havia outro desfecho possível?
Villa -
Sim, se Jango tivesse buscado a hegemonia no Congresso. Era possível chegar a um acordo que viabilizasse por exemplo a reforma agrária. A proposta de Jango teria aprovação de parte do PSD e da chamada bossa nova da UDN. Houve uma pessoa naquele mês que lutou muito por uma solução negociada, uma pessoa-chave, San Tiago Dantas, deputado federal pelo PTB de Minas Gerais e ex-ministro (duas vezes) de Jango. Ele tenta buscar uma solução para o impasse com uma proposta reformista, um conjunto de projetos que tivessem viabilidade de ser aprovados pelo Congresso. Mas não é bem-sucedido. Ele era a prova de que era possível uma solução democrática, mas em 1964 a democracia tinha muitos inimigos.


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