São Paulo, domingo, 13 de maio de 2007

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Celam vai contrapor igrejas do papa e da América Latina

Conferência de Aparecida discute a partir de hoje se região mantém foco político e social

Bispos vão disputar entre tradição da AL e "pauta" do papa, com ênfase na defesa dos valores morais em temas como aborto e família

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando Bento 16 fizer hoje, em Aparecida (SP), o discurso de abertura da 5ª Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, os bispos da região passarão a travar uma disputa política entre um modelo de igreja mais próximo do pensamento do próprio papa e um outro, de tradição latino-americana.
O que está em jogo é se a Igreja Católica da região continuará dando centralidade a temas políticos e sociais -intervindo no debate público em defesa principalmente de minorias e "aflitos" como índios, trabalhadores, encarcerados- ou se penderá a ênfase de seus discursos para a luta por valores mais centrados na conduta ética de cada indivíduo, em temas como aborto, limites morais para a pesquisa científica, família e evangelização.
A resposta virá de um documento final, a ser apresentado ao papa e depois ao mundo, elaborado em comissões e votações pelos bispos delegados de todas as conferências episcopais da região. A conferência de Aparecida vai até o dia 31 e reúne 266 pessoas -a maioria bispos, mas também padres e leigos que acompanham como observadores ou assessores.
A "pauta" do papa e de seus aliados foi claramente estabelecida no discurso de Bento 16 à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) anteontem. O pontífice disse que problemas sociais e políticos devem se subordinar à vocação primordial da igreja: o anúncio da verdade da fé em Cristo. "Esta é a finalidade, e não outra, a finalidade da igreja, a salvação das almas, uma a uma."
Nesse mesmo discurso, criticou mais uma vez o aborto, a "ferida do divórcio" e as uniões livres. Após três dias de visita ao país, era impossível que alguém ainda não tivesse entendido quais as prioridades "apostólicas" desse papa.
"Nesse discurso, ele colocou a agenda do que para ele é essencial. Com certeza será a agenda do que virá a ser discutido em Aparecida", afirma d. Filippo Santoro, bispo de Petrópolis. "O ponto-chave do discurso foi definir bem qual é a missão do bispo: o essencial é pregar a verdade da fé. Se o papa insiste nisso, quer dizer que nem sempre foi assim."

Pobres
O problema é que boa parte da igreja da América Latina acredita que "pregar a verdade da fé" é fazer uma "opção preferencial pelos pobres", mais do que se ocupar com as questões prioritárias para Bento 16.
"Só a igreja pode dar resposta à grande exclusão de nossas sociedades. Ou ela se alia aos pobres, ou eles não terão aliados", afirma Carlos Signorelli, presidente do Conselho Nacional do Laicato do Brasil e indicado pela CNBB a participar da 5ª conferência -com direito a voz, mas não a voto.
Ele diz que a opção preferencial pelos pobres, a ênfase no trabalho dos leigos e o método típico da Teologia da Libertação ("ver, julgar e agir", ou seja, partir da realidade do mundo para tirar conclusões para a igreja) estão contemplados no documento-síntese elaborado para o trabalho dos bispos em Aparecida, mas não com a força do compromisso que muitos desejariam. "Temos que colocar essa ênfase lá", afirma.
Segundo Signorelli, "desde Puebla", onde ocorreu a terceira conferência episcopal, em 1978, "há uma disputa de modelo de igreja na América Latina". Um dos lados aposta no compromisso com os mais pobres, outro critica o uso de métodos sociológicos para a compreensão da igreja e aposta na evangelização da classe média. "Essa disputa continua muito presente hoje."
O confronto de idéias, nas próximas semanas, não ocorrerá apenas nas salas fechadas em que os bispos decidirão o futuro da igreja na região. É nisso que a ala comprometida com a ação social do catolicismo aposta.
"Nas outras conferências, até os momentos de celebração eram exclusivos dos seus integrantes", afirma o padre José Oscar Beozzo. "Nessa, as missas diárias serão na basílica, e o povo poderá participar", ele diz. E pressionar.
Beozzo participou, ao lado de líderes de setores da igreja como as pastorais Operária, Carcerária e de Moradia, da montagem de um "fórum de participação", que contará com uma tenda armada em Aparecida. Eles planejam ainda atos públicos, como uma romaria na madrugada do dia 19 para o 20, entre Roseiras e Aparecida (uma distância de 10 km).
A idéia é que haja maior "interação" entre o "povo" e os bispos, explica o padre. E que esses sejam capazes de ouvir os anseios dessa fatia de católicos.


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