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ELIO GASPARI
Há um fino golpe no ar
É golpista a articulação de
uma renúncia de Lula à
reeleição. Embrulhada numa
Sacola da Daslu (o Bolsa-Família dos tucanos), ela funcionaria
assim:
1 - Lula vai à televisão e anuncia que não disputará a reeleição.
2 - O Congresso aprova uma
emenda constitucional que acaba com a reeleição e aumenta
de quatro para cinco anos o
mandato dos próximos presidentes da República.
3 - Desmoralizado, o companheiro vai para casa, o PT definha e o PSDB volta ao Planalto.
A idéia é golpista porque coloca a Constituição a reboque de
um arranjo. As leis da terra dizem que o mandato de Lula vai
até o dia 1º de janeiro de 2007,
quando será substituído na Presidência pelo cidadão escolhido
em 2006. Essas mesmas leis garantem ao companheiro o direito de disputar a reeleição.
O arranjo embute a cassação
dos cidadãos encarregados de
eleger o presidente da República. Cassa-lhes o direito de julgar
Lula. Se ele quiser disputar a
reeleição, duas coisas podem
acontecer: ganha ou perde. Nos
dois resultados, seu destino será
decidido pela patuléia soberana
que o pôs no Planalto em 2002.
Os hierarcas de Brasília não
têm mandato para fazer um
cambalacho que tira dos eleitores o direito de decidir a questão. Tem gente disposta a mostrar que continua confiando no
presidente, assim como tem gente que venderia a cueca para ter
o gosto de mandá-lo de volta
para São Bernardo.
O interesse pela renúncia de
Lula reflete dois tipos de receios.
A desistência seria conveniente
para preservá-lo. Uma espécie
de trégua no andar de cima. Esse é o receio bem-intencionado.
Maligno é o medo de que, uma
vez candidato, Lula se reeleja.
Afinal, se esse medo não existisse, a desistência seria desnecessária, por irrelevante.
Medo de voto é coisa perigosa.
Não custa lembrar uma brilhante construção do jornalista
Carlos Lacerda, em 1950: "O sr.
Getúlio Vargas [...] não deve ser
candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito".
Até aí, tudo bem, mas Lacerda
continua: "Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos
recorrer à revolução para impedi-lo de governar". As desgraças
da política nacional na segunda
metade do século passado vinham das duas primeiras negativas: "não deve ser candidato"
e "não deve ser eleito".
Era o medo da volta de Vargas, que virou medo da chegada
de João Goulart e, mais tarde,
tornou-se o medo (absolutamente despropositado) da vitória de Lula.
Trata-se de um golpezinho esperto porque seria ratificado pela vítima. Como na mágica de
1961, quando João Goulart conformou-se com o parlamentarismo de mentirinha que salvou
a face de uma revolta de generais derrotada nas ruas.
É também um golpe bem-educado, pois assenta-se exclusivamente num conchavo parlamentar. Não rosna a força das
armas nem a da rua.
Em 1840, com o Golpe da
Maioridade, os mandarins do
Império colocaram um garoto
de 14 anos no trono do Brasil.
Na República, sucederam-se os
Golpes da Menoridade, todos
destinados a substituir a vontade de um povo considerado incapaz. A idéia é sempre a mesma: em nome de uma conciliação destinada a aplacar as tensões da Guerra Fria (no século
20) ou dos mercados financeiros
(no 21) aceita-se qualquer acordo, desde que a escumalha fique
de fora.
Se Lula achar que deve disputar a reeleição, não se pode tirar
do povo brasileiro o direito de
decidir onde o companheiro vai
morar.
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