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Documentos do Araguaia somem de arquivo no Pará
Delegado-geral na gestão de Almir Gabriel (PSDB) autorizou destruição dos papéis
Ex-delegado João Nazareno Moraes afirma que mandou destruir só os documentos que "não possuíam valor jurídico" ou "uso policial"
SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A MARABÁ (PA)
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELÉM
Documentos da Polícia Civil
referentes à guerrilha do Araguaia são dados como perdidos
pelo governo do Pará, que suspeita que eles tenham sido
queimados há nove anos.
O acervo do Arquivo Central
da polícia, em Belém, guardava,
entre outros papéis alusivos à
repressão aos guerrilheiros,
atestados de conduta e de vida e
residência emitidos por delegacias a moradores da região.
Esses documentos não existem mais no acervo -o que foi
comprovado após uma busca.
Os atestados permitiam que
os cidadãos-posseiros pobres,
na maioria- circulassem entre
as localidades. Quando parados
por militares, eles tinham que
mostrar os documentos, sob
risco de prisão.
Um ato do delegado-geral de
Polícia Civil, João Nazareno
Nascimento Moraes, na gestão
do governador Almir Gabriel
(PSDB), abriu caminho para a
possível destruição. Em 19 de
janeiro de 2000, ele assinou a
instrução normativa 001/
2000, "com o objetivo de estabelecer normas e traçar diretrizes acerca da conservação e do
desfazimento de documentos
do acervo do Arquivo Central".
Batizada pelo atual governo
de Ana Júlia Carepa (PT) de
"portaria Nero" (nome do imperador que incendiou Roma),
a instrução determina o prazo
de um a cinco anos para a "incineração ou destruição por meio
mecânico" de documentos.
A Folha obteve o original do
atestado de José Alves da Silva,
emitido em 11 de dezembro de
1973. No documento, o delegado atesta que, após pesquisar o
arquivo do distrito de São João
do Araguaia, nada encontrou
que "desabone a conduta" do
lavrador piauiense.
Há ainda o original do "atestado-de-vida-e-residência", de
novembro de 1972, de Auta Gomes de Araújo, 40. Diz que ela
vive "no povoado de São Domingos das Latas deste município a (sic) mais de dez anos".
Os papéis foram obtidos pela
Casa Civil do governo do Pará,
enviados por funcionários da
Polícia Civil que os teriam desviado do Arquivo Central antes
da destruição.
A Secretaria de Segurança
Pública do Estado não informou se algum documento chegou a ser destruído. Segundo a
Folha apurou, nada foi encontrado relativo à guerrilha nas
buscas nos arquivos.
O vice-presidente da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia, Sezostrys da
Costa, lamentou o desaparecimento dos papéis. Com eles,
poderia se comprovar que os
moradores do Araguaia viveram uma espécie de estado de
sítio e toque de recolher, com a
proibição pelo Exército de as
pessoas circularem livremente.
A entidade exige do governo
indenizações aos cerca de 350
associados. No mês passado, 44
deles foram anistiados e serão
ressarcidos pelas torturas.
Para o assessor da Casa Civil,
Paulo Fonteles Filho, representante do governo estadual
que busca as ossadas no Araguaia, os documentos confirmariam que "o aparato de segurança pública do Pará auxiliou
na repressão à guerrilha".
"É muito estranho ter acontecido isso na mesma época em
que, em outros Estados, também ocorreram destruições de
arquivos da repressão militar.
Foi uma ação criminosa do governo da época", disse.
Outro lado
João Nazareno Moraes, ex-delegado-geral de Polícia Civil
do Pará entre 1999 e 2001, disse
à Folha que mandou destruir
só a documentação que "não tinha valor jurídico" ou "uso policial", como requerimentos de
licenças médicas e contas de
luz e água. "Quem disse isso para você está lhe aplicando uma
mentira, é um canalha", disse o
autor da instrução normativa
sobre a suspeita de que os papéis tenham sido destruídos.
Paulo Câmara, à época secretário de Segurança Pública do
Pará, disse não ter dado "muita
pelota" ao assunto quando soube da ordem de destruição.
"Não passou pela minha cabeça
que houvesse qualquer coisa de
valor [a ser destruída]."
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