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ARGENTINA
Presidentes viajam no dia 17 para evitar data histórica de peronistas
Kirchner e Lula "fogem" para geleiras
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O presidente argentino, Néstor
Kirchner, espertamente fugirá
com seu colega brasileiro Luiz
Inácio Lula da Silva para a remota
Patagônia, sua terra de origem, no
dia 17 de outubro, a principal data
da iconografia peronista.
O 17 de outubro é o que o movimento peronista chama de "Dia
de la Lealtad", porque foi o dia (de
1944) em que o então coronel
Juan Domingo Perón foi libertado
da prisão, sob pressão popular,
iniciando a irresistível ascensão
que o levaria à Presidência.
Por que evitar as comemorações da data máxima do peronismo, se Kirchner é peronista, o
movimento político que é a mais
bem sucedida versão do populismo latino-americano e ganhou a
maior parte das eleições de que
participou? Pela simples razão de
que o peronismo hoje é uma coleção de líderes regionais em confronto aberto entre eles. Kirchner
é peronista, mas de centro-esquerda, com origem na Juventude Peronista, o braço político da
guerrilha "Montoneros".
Mas também é peronista Carlos
Saúl Menem, que, em seus dez
anos de presidência, fez a mais escrachada política neoliberal da
América Latina.
Mais: permanecer em Buenos
Aires, não apenas a capital mas o
grande tambor político da Argentina, poderia submeter Lula ao
constrangimento de participar de
atos que são repudiados por uma
fatia importante dos argentinos
que não são apenas não-peronistas, mas anti-peronistas.
Por isso, os dois viajam logo cedo no dia 17 para Calafate, paraíso
turístico, a 315 quilômetros de Rio
Gallegos, a capital da já remota
Província de Santa Cruz.
Levar Lula para seu berço pessoal e político talvez seja também
uma maneira de Kirchner solidificar o projeto que é prioritário para ele e para seu hóspede e que os
argentinos chamam de "Sociedade Brasil/Argentina", para dar
uma idéia mais forte do que uma
mera integração.
Nas relações diplomáticas modernas, o contato e a química pessoais são importantes, às vezes
fundamentais. Tanto que a química entre, por exemplo, Lula e
George Walker Bush é muito melhor do que a que havia entre Fernando Henrique Cardoso e Bush,
embora, em tese, a distância entre
o líder do PT e o presidente republicano devesse ser maior.
Mas a visita de Lula à Argentina,
a partir de quarta-feira à noite,
não se fará só de química pessoal.
Será suculento o elenco de documentos que os dois presidentes
assinarão na quinta, antes de se
recolherem à bucólica Calafate.
Primeiro porque se trata do que
o jargão diplomático chama de
"visita de Estado", repleta de protocolo. Lula fará pelo menos dois
discursos importantes. Um para
empresários, convocados pelo
Grupo Brasil (formado por empresas brasileiras instaladas ou
com interesses na Argentina) para discutir a integração bilateral e
também regional.
Um dos temas é caro a Lula: a
integração física da América do
Sul. Os empresários vão discutir
como os bancos públicos BNDES
do Brasil e Bice (Banco de Investimentos e Comércio Exterior, argentino) podem financiar a infra-estrutura.
Dois projetos concretos estão
na agenda: a melhoria da ligação
rodoviária entre Paso de los Libres/Uruguaiana/Zárate, que permitirá integrar o Nordeste argentino ao Sul brasileiro, e o gasoduto
Uruguaiana/ Porto Alegre.
O segundo discurso será no
Congresso Nacional, obviamente
mais político, para reafirmar que,
por mais ruídos que tenha havido
na relação entre os dois presidentes, "são miudezas" ante os "objetivos maiores" que Brasil e Argentina têm a perseguir, dirá Lula.
Antes, na Casa Rosada, Lula e
Kirchner terão uma reunião dividida em dois momentos: um mais
restrito, apenas entre eles e poucos auxiliares, e outro com a participação dos ministros que farão
parte da comitiva brasileira e de
seus pares argentinos.
Os dois presidentes assinarão
dois documentos principais: um é
a clássica "declaração conjunta"
emitida ao final de visitas do gênero. O outro é o "Consenso de
Buenos Aires", uma declaração
genérica de suporte a políticas públicas, como contraponto ao
"Consenso de Washington", que
orientou as políticas econômicas
na América Latina nos anos 90.
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