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São Paulo, segunda-feira, 13 de outubro de 2003

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ARGENTINA

Presidentes viajam no dia 17 para evitar data histórica de peronistas

Kirchner e Lula "fogem" para geleiras

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente argentino, Néstor Kirchner, espertamente fugirá com seu colega brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva para a remota Patagônia, sua terra de origem, no dia 17 de outubro, a principal data da iconografia peronista.
O 17 de outubro é o que o movimento peronista chama de "Dia de la Lealtad", porque foi o dia (de 1944) em que o então coronel Juan Domingo Perón foi libertado da prisão, sob pressão popular, iniciando a irresistível ascensão que o levaria à Presidência.
Por que evitar as comemorações da data máxima do peronismo, se Kirchner é peronista, o movimento político que é a mais bem sucedida versão do populismo latino-americano e ganhou a maior parte das eleições de que participou? Pela simples razão de que o peronismo hoje é uma coleção de líderes regionais em confronto aberto entre eles. Kirchner é peronista, mas de centro-esquerda, com origem na Juventude Peronista, o braço político da guerrilha "Montoneros".
Mas também é peronista Carlos Saúl Menem, que, em seus dez anos de presidência, fez a mais escrachada política neoliberal da América Latina.
Mais: permanecer em Buenos Aires, não apenas a capital mas o grande tambor político da Argentina, poderia submeter Lula ao constrangimento de participar de atos que são repudiados por uma fatia importante dos argentinos que não são apenas não-peronistas, mas anti-peronistas.
Por isso, os dois viajam logo cedo no dia 17 para Calafate, paraíso turístico, a 315 quilômetros de Rio Gallegos, a capital da já remota Província de Santa Cruz.
Levar Lula para seu berço pessoal e político talvez seja também uma maneira de Kirchner solidificar o projeto que é prioritário para ele e para seu hóspede e que os argentinos chamam de "Sociedade Brasil/Argentina", para dar uma idéia mais forte do que uma mera integração.
Nas relações diplomáticas modernas, o contato e a química pessoais são importantes, às vezes fundamentais. Tanto que a química entre, por exemplo, Lula e George Walker Bush é muito melhor do que a que havia entre Fernando Henrique Cardoso e Bush, embora, em tese, a distância entre o líder do PT e o presidente republicano devesse ser maior.
Mas a visita de Lula à Argentina, a partir de quarta-feira à noite, não se fará só de química pessoal. Será suculento o elenco de documentos que os dois presidentes assinarão na quinta, antes de se recolherem à bucólica Calafate.
Primeiro porque se trata do que o jargão diplomático chama de "visita de Estado", repleta de protocolo. Lula fará pelo menos dois discursos importantes. Um para empresários, convocados pelo Grupo Brasil (formado por empresas brasileiras instaladas ou com interesses na Argentina) para discutir a integração bilateral e também regional.
Um dos temas é caro a Lula: a integração física da América do Sul. Os empresários vão discutir como os bancos públicos BNDES do Brasil e Bice (Banco de Investimentos e Comércio Exterior, argentino) podem financiar a infra-estrutura.
Dois projetos concretos estão na agenda: a melhoria da ligação rodoviária entre Paso de los Libres/Uruguaiana/Zárate, que permitirá integrar o Nordeste argentino ao Sul brasileiro, e o gasoduto Uruguaiana/ Porto Alegre.
O segundo discurso será no Congresso Nacional, obviamente mais político, para reafirmar que, por mais ruídos que tenha havido na relação entre os dois presidentes, "são miudezas" ante os "objetivos maiores" que Brasil e Argentina têm a perseguir, dirá Lula.
Antes, na Casa Rosada, Lula e Kirchner terão uma reunião dividida em dois momentos: um mais restrito, apenas entre eles e poucos auxiliares, e outro com a participação dos ministros que farão parte da comitiva brasileira e de seus pares argentinos.
Os dois presidentes assinarão dois documentos principais: um é a clássica "declaração conjunta" emitida ao final de visitas do gênero. O outro é o "Consenso de Buenos Aires", uma declaração genérica de suporte a políticas públicas, como contraponto ao "Consenso de Washington", que orientou as políticas econômicas na América Latina nos anos 90.



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