São Paulo, domingo, 13 de novembro de 2005

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JUDICIÁRIO

Tribunais estaduais resistem à consolidação do CNJ, mas magistrados temem parecer defensores do nepotismo

Debates em torno de resolução ofuscam críticas a conselho

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O combate ao nepotismo no Judiciário, deflagrado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ofusca a grande resistência de tribunais estaduais à consolidação do novo órgão, movimento que deverá provocar uma "guerra santa" a partir de contestações no STF (Supremo Tribunal Federal).
Como o emprego, sem concurso, de parentes de magistrados desperta ampla condenação pública, desembargadores e juízes opositores do CNJ temem criticar os poderes atribuídos ao conselho para não serem confundidos com defensores do nepotismo.
Na avaliação do conselho, a relativa lua-de-mel que se seguiu à alta resistência inicial foi rompida por duas resoluções: a que obrigou os tribunais a instituírem o voto aberto nas promoções de juízes e a que fixou prazo para o afastamento de parentes não-concursados de magistrados.
As reações variam de Norte a Sul e têm motivações distintas. No Rio Grande do Norte, aprovou-se às pressas lei estadual para garantir a permanência de parentes nomeados. No Rio Grande do Sul, o presidente do tribunal estadual, Osvaldo Stefanello, chegou a classificar o CNJ de "espúrio" e disse que vai cumprir a Constituição estadual, que não poderia ser revogada por uma resolução.
A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul proíbe a contratação de parentes até o segundo grau, enquanto a resolução do CNJ estende a proibição até o quarto grau de parentesco.
O peso da questão do nepotismo pode ser avaliado nos debates do processo eleitoral gaúcho, Estado onde é maior a oposição ao conselho: os dois candidatos à sucessão de Stefanello, prestes a se aposentar, já afirmaram que vão cumprir a resolução do CNJ.
A raiz das críticas ao CNJ: o órgão usurparia as funções do Legislativo (ao decidir por meio de atos administrativos) e do Judiciário (ao diferir liminares, como a suspensão da escolha de juízes, por voto fechado, na Paraíba).
O desembargador paulista Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda vê no CNJ um "golpe no constitucionalismo democrático: retira-se dos tribunais a sua autonomia, afasta-se o Poder Legislativo e se transfere para apenas 15 homens o comando político-administrativo total dos tribunais".

Resistência prevista
Essa resistência doutrinária já era prevista pelos membros do CNJ -que, por sinal, não têm opinião consensual sobre algumas medidas, como revelaram recentes votações. Haveria uma estratégia para "dar tempo", esperando-se que os tribunais estaduais, por meio de seus mecanismos, eliminem práticas viciadas.
Não se acredita em confronto direto, mas se prevê enfrentamento no Supremo. O Judiciário de Minas Gerais pediu ao Procurador-Geral da República o oferecimento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, para garantir a autonomia dos tribunais.
O julgamento de recursos no Supremo pode ser um primeiro teste. Se os tribunais estaduais não obtiverem êxito no STF, o CNJ, fortalecido, partiria para anular diretamente atos administrativos das cortes estaduais.
Os presidentes de tribunais que não cumprirem as resoluções do CNJ poderão vir a ser alvo de ações de improbidade, ou até de ações penais. O conselho entende que a Constituição autoriza o órgão a anular atos administrativos, como retirar os parentes de magistrados da folha de pagamento.
Partiram de sindicatos de funcionários e associações de magistrados muitos dos casos de nepotismo já apontados ao CNJ.
O CNJ surpreendeu os mais céticos quanto ao raio de atuação, ao mandar abrir processo contra desembargador de Minas acusado de receber um carro para influir no julgamento de um agravo de instrumento (recurso contra decisão de um juiz). Mais recentemente, um desembargador paulista entrou com representação no conselho para tentar invalidar resolução sobre o processo de inscrição de candidatos para os cargos de cúpula do TJ de São Paulo.


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