São Paulo, domingo, 14 de fevereiro de 2010

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JANIO DE FREITAS

Conversa de Carnaval


A impunidade no grande reino da corrupção torna a prisão de Arruda assunto natural até no ambiente carnavalesco do bar

ESTAVAM NO CHOPE que esquenta os motores. Ambas em bem justificadas duas peças, enfeite no cabelo, uns poucos adereços a mais, coloridos como convém. Os dois acompanhantes com camisetas gaiatas, de humor duvidoso, talvez nome e lema de bloco. Se não fosse Carnaval, a animação da conversa já seria carnavalesca por si mesma, de frases e de gargalhadas em decibéis indiferentes até ao vago samba cantado no fundo do bar.
Um sujeito de pé no balcão não resistiu. Pegou uma deixa e deu sua contribuição à conversa. Mais dois ou três fizeram o mesmo. Por uns dez minutos, pelo menos, o assunto resistiu e prevaleceu em pleno ambiente de Carnaval. Ah, sim, o assunto? Arruda. O preso governador José Roberto Arruda.
Depois, alguém comentou: em que país, a não ser aqui, a prisão de um governador seria assunto de conversa em um bar invadido pelo Carnaval?
Mas não foi a prisão que tornou o assunto, digamos, natural mesmo ali. Foi a impunidade no grande reino da corrupção.
Se faltassem incontáveis evidências anteriores, o desenrolar do caso Arruda oferece clareza absoluta à inconveniência dos atuais procedimentos, tanto parlamentares como judiciais, quando há indícios graves de ilegalidades em altas instâncias de governo. Não fosse a tentativa de suborno a uma testemunha contrária, Arruda estaria no exercício do governo, manipulando a maioria da Câmara Legislativa para sustar a CPI e qualquer ação que lhe seja adversa, como a necessária licença para atingi-lo judicialmente. Apesar de todos os vídeos e constatações policiais, as possibilidades de ação eficaz do Ministério Público e do Judiciário continuariam muito remotas.
De assassinato a todos os tipos de fraudes, desvios de verbas, extorsões, favorecimentos remunerados e venalidades em geral, os poderes executivos têm proporcionado pelo país afora, nos sucessivos mandatos desde a redemocratização, todos os exemplos de fatos e de falta de consequências efetivas.
Pode haver o escândalo por algum tempo, mas, como há pouco disse Arruda, "todo escândalo passa"; pode haver aparência de reação parlamentar, de consequências da ação do Ministério Público, mas o fim é sempre o mesmo.
É tão difícil ultrapassar as possibilidades de manobra disponíveis para os detentores do poder, que a impunidade é como um adendo do mandado. E Arruda uma exceção de estupidez: não foi a impunidade que falhou, foi a obtusidade com que ele quis subornar um dos próprios responsáveis pelas gravações da corrupção de que é chefe -e a tentativa foi gravada também.
No mínimo a dependência às autorizações e "conclusões" parlamentares precisaria acabar ou ser muito restringida, para que os instrumentos da impunidade se tornem menos eficientes.
A Procuradoria da República, tribunais superiores e a Controladoria-Geral da União precisariam ser dotados de poderes mais incisivos e de regras com maior celeridade. Isto é, se houver, ou quando houver, propósito dos Executivos e Legislativos de dificultar a corrupção e torná-la passível de punição verdadeira.


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