São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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MARCHA LENTA

No ano da "virada", governo gasta R$ 46,9 mi com parcela de Airbus

Avião de Lula consome 75% dos investimentos da União

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O pagamento de uma das prestações do novo avião presidencial -um Airbus personalizado- consumiu três de cada quatro reais investidos pelo governo federal neste ano até a última quinta-feira. A parcela de R$ 46,9 milhões representa quase 50 vezes a soma do valor já investido em segurança pública, transportes e organização agrária em 2004, ano que marcaria a "virada" do governo Luiz Inácio Lula da Silva, nas palavras do próprio presidente.
O retrato da gestão Lula pode ser visto no Siafi, o sistema informatizado de acompanhamento de gastos federais. Os dados não contabilizam o pagamento de contas pendentes de 2003, os chamados "restos a pagar", que somam R$ 133 milhões, incluindo gastos de Legislativo e Judiciário.
No mesmo período da pesquisa no Siafi -feita com apoio do gabinete do deputado Augusto Carvalho (PPS-DF)-, não há registro de investimento do Orçamento de 2004 pago até 11 de março em saneamento e habitação.
O avião que levará Lula e sua comitiva nas viagens mais longas para outros países, um Airbus Corporate Jetliner, ainda está na linha de montagem e só deverá chegar ao Brasil no final do ano, prevê o Ministério da Defesa.
O preço total: US$ 56,7 milhões ou R$ 166,7 milhões, de acordo com o câmbio da parcela paga em fevereiro. A compra da aeronave, acertada no final de 2003, é investigada pelo Ministério Público. "Com esses investimentos, estamos gerando empregos no exterior", ironiza Augusto Carvalho.
O Ministério das Cidades, responsável pela maior parte dos investimentos em saneamento e habitação, alega que acaba de ser aberto o prazo para os prefeitos apresentarem projetos, por meio dos quais os municípios terão acesso ao dinheiro federal.
Esses projetos serão avaliados até meados de abril. Restarão menos de três meses para a data fixada pela lei eleitoral para suspender a assinatura de convênios e o repasse de verbas (três meses antes das eleições de outubro).
A pasta das Cidades foi a principal vítima do corte de gastos de R$ 6 bilhões no Orçamento, em fevereiro. Do R$ 1,098 bilhão autorizado pela lei orçamentária, R$ 814 milhões foram bloqueados.
Na mais contundente defesa da atual política econômica, feita na quinta-feira, Lula insistiu em que os cortes atingiram apenas os acréscimos incluídos pelos congressistas no Orçamento e que haverá mais dinheiro para gastos do que em 2003. No caso das Cidades, o corte reduziu os investimentos a menos da metade.
O ministério alega ainda que sua maior fonte de recursos para investimentos em saneamento está fora do Orçamento da União: é o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Estão previstos gastos de R$ 2,9 bilhões neste ano, e a liberação desse dinheiro está em fase de negociação.
Outro alvo dos cortes, o Ministério dos Transportes já começou o ano atrás de dinheiro extra. A previsão de gastos com restauração de rodovias para garantir que as estradas federais estejam em bom estado num prazo de quatro anos -R$ 1,5 bilhão por ano- corresponde a quase tudo o que o ministério tem para investir em 2004 depois dos cortes.
Para justificar o pedido de verba extra, o ministério argumenta que parte do dinheiro destinado às estradas usadas no escoamento da safra agrícola teve de ser usado em rodovias no Nordeste, esburacadas com as chuvas de verão.
O investimento pago na área de transportes em 2004 (R$ 554 mil) é menos da metade do gasto feito até a mesma data em publicidade institucional, aquela que cuida da imagem do governo (R$ 1.143 milhão), revela ainda o Siafi.
A maior obra com que Lula gostaria de marcar seu mandato no Planalto -a transposição das águas do rio São Francisco- não terá início neste ano. A previsão de gastos em 2004, cerca de R$ 40 milhões, será suficiente só para os estudos prévios, segundo o Ministério da Integração Nacional.

Corte sob revisão
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, disse que o governo analisa a possibilidade de reduzir o corte de R$ 6 bilhões no Orçamento, decretado em fevereiro. A liberação de recursos poderá beneficiar o Bolsa-Família, principal programa de transferência de renda aos pobres do governo federal, além da reforma agrária, adiantou.
A decisão sobre a revisão dos cortes sairá só no mês que vem. Nos dois primeiros meses do ano, a Receita Federal arrecadou R$ 2 bilhões a mais que o previsto e tudo agora depende do ritmo de crescimento da economia.
"O objetivo do governo é cumprir o superávit primário [receitas menos despesas, exceto pagamento de juros] de 4,25% do PIB [Produto Interno Bruto]. Se na reavaliação da programação financeira for observado um espaço adicional de gastos, nós vamos fazer a ampliação", disse Appy.
Para levar adiante os investimentos necessários em infra-estrutura, sobretudo nas áreas de transportes e geração de energia, a principal aposta nessa área são as PPPs (Parcerias Público-Privadas). "O sistema permite investimentos e garante consistência fiscal de longo prazo para o país."
Mas um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, vinculado ao Ministério do Planejamento, manifesta o receio de que as parcerias criem "um novo legado de esqueletos, ou seja, um desequilíbrio entre receitas e despesas de longo prazo".


Colaborou SÍLVIA MUGNATTO, da Sucursal de Brasília



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