São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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REGIME MILITAR

Obra se baseia em arquivo pessoal do general Bevilaqua, morto em 90, que relatou casos de crime político no período

Livro reúne decisões inéditas de militares sobre FHC e Dirceu

MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO

O ano era o de 1966. No plenário do STM (Superior Tribunal Militar), 16 juízes julgavam o futuro do sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Exilado no Chile, o réu estava sendo acusado de fazer proselitismo comunista em sala de aula -crime com pena de até 30 anos de prisão. Absolvido com um voto decisivo do juiz-relator, o general Peri Constant Bevilaqua, Fernando Henrique pôde voltar ao país para se tornar presidente 28 anos depois.
O caso está no livro "Justiça Fardada" (Bom Texto Editora), do historiador Renato Lemos, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que reúne documentos inéditos do arquivo pessoal de Bevilaqua guardados no Museu Benjamin Constant, no Rio. São 33 habeas corpus de intelectuais, militares, sindicalistas, estudantes e pessoas comuns, impetrados no STM e relatados pelo general, morto em 1990.
Estão lá os habeas corpus de Fernando Henrique Cardoso, do ministro da Casa Civil, José Dirceu, de Darci Ribeiro, do sociólogo Florestan Fernandes e do ex-deputado Vladimir Palmeira.
O trabalho traz ainda um pedido de abertura de IPM (Inquérito Policial-Militar) para o caso Para-Sar -frustrado plano terrorista idealizado pelo brigadeiro João Paulo Burnier, em abril de 1968, que pretendia eliminar sumariamente adversários do regime, explodir o gasômetro do Rio e cometer atentados a bomba.
No pedido encaminhado ao então ministro da Aeronáutica, Alcides Carneiro, há detalhes do plano de Burnier, que foi denunciado pelo capitão Sérgio Miranda de Carvalho.

Defensor legalista
Neto de Benjamin Constant, um dos fundadores da República, Bevilaqua é um personagem pouco presente na historiografia do regime militar, apesar de ter se destacado no STM como um dos principais defensores dos direitos civis de perseguidos políticos.
No tribunal, atuou de março de 1965 a janeiro de 1969, quando foi aposentado arbitrariamente -três meses antes de atingir a idade-limite de 70 anos. Teve suas condecorações militares confiscadas e somente devolvidas 12 anos após sua morte, em 2002.
"Ele foi uma pessoa que usou as brechas das leis para preservar direitos e salvar vidas nos tribunais da ditadura", afirma Lemos.
Segundo o historiador, a exemplo do avô, Bevilaqua era um "legalista". Para ele, a Justiça militar não tinha competência para julgar crimes políticos cometidos por civis, como foi comum na época. Estes estavam na alçada da Justiça comum.
"Uma autoridade de um IPM [Inquérito Policial-Militar] não poderia pedir a prisão de um civil e, principalmente, não poderia usar o expediente da prisão provisória para um civil. Pelo Código Penal Militar, a provisória poderia durar, no máximo, dois dias, mas era usado por 30, 60 dias, período em que o preso estava sujeito ao mais variados tipos de violência e tortura", diz.


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