São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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NO PLANALTO

União se defende na Justiça atacando Palocci

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Tramita no interior de São Paulo um inusitado processo judicial. Foi aberto no mês passado. Contém documentos memoráveis. Num deles, a equipe do ministro Palocci revela à Justiça a incompetência da Fazenda para cobrar R$ 8,5 bilhões em créditos tributários.
O brasileiro já se havia habituado a conviver com dois tipos de governos: os ruins e os muito piores. Mas esta é a primeira vez que Brasília confessa formalmente a sua inépcia. Denunciando-se a si próprio, o governo Lula revela a incapacidade de executar um lote de devedores.
Aconteceu assim:
1) o procurador da República Jefferson Aparecido Dias, de Marília (SP), descobriu que a Receita Federal retém a cobrança de débitos de 706.932 contribuintes inadimplentes. Juntos, devem ao fisco R$ 8,5 bilhões. São dívidas incontroversas. Esgotaram-se as instâncias de contestações administrativas;
2) como não houve pagamento, os processos deveriam ter sido remetidos à Procuradoria da Fazenda Nacional, para inscrição dos devedores no cadastro da Dívida Ativa da União e posterior cobrança judicial. Porém, encontram-se represados na Receita;
3) a demora na cobrança sujeita o governo à perda dos créditos. Pela lei, dívidas tributárias prescrevem após cinco anos da comunicação do lançamento ao devedor;
4) em 8 de fevereiro, o procurador Aparecido Dias leu nas páginas da Folha uma notícia que o fez saltar da cadeira. Um passivo fiscal de R$ 46,4 milhões da empresa AGF Brasil Seguros foi perdoado. Despacho do ministro da Fazenda considerou-o prescrito. Foi assinado pelo ministro interino Bernardo Appy, braço direito de Palocci;
5) em 10 de fevereiro, Aparecido Dias protocolou na Justiça uma ação civil pedindo a fixação de um prazo de cinco meses para o ajuizamento dos 706.932 créditos represados na Receita;
6) intimado a defender-se, o governo produziu uma peça esquizofrênica. Reconhece a existência dos débitos de R$ 8,5 milhões pendentes de ajuizamento. Admite a existência de "falhas". Atribui os erros a "entraves burocráticos sistêmicos, orçamentários, administrativos e até mesmo políticos";
7) o texto esquizotípico é de 26 de fevereiro. Assina-o o procurador da Fazenda Nacional Luciano José de Brito. Fala em nome do governo. No afã de defender a União, o servidor esfaqueou o coração da política econômica conduzida por Palocci;
8) José de Brito anotou: "[...] A questão é muito mais política do que meramente administrativa, pois a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional luta bravamente por um acréscimo orçamentário para que possa desenvolver suas atividades com maior eficiência, mas sempre esbarra nos cortes orçamentários em prol de um superávit primário. Tal fato é de conhecimento público, pois a todo momento se escuta sobre cortes nos orçamentos, não só na Procuradoria, mas também em áreas sociais, como a educação e a saúde";
9) detalhista, José de Brito revela que há carência de pessoal na Procuradoria da Fazenda. Confessa a vulnerabilidade dos arquivos eletrônicos da dívida ativa, sujeitos a fraudes;
10) tomado ao pé da letra, o documento oficial conduz à seguinte conclusão: a pretexto de podar gastos, Palocci fatia o próprio pé. Executa cortes que, na prática, impedem sua equipe de cobrar dívidas que tonificariam os cofres do Tesouro. Um despautério;
11) em seu texto, o procurador fazendário José de Brito argumenta que o ajuizamento imediato dos R$ 8,5 milhões retidos pelo dique instalado no fisco causaria "inúmeros transtornos às unidades da Procuradoria da Fazenda e da Receita Federal, pois ambas, como é sabido, não possuem uma estrutura adequada [...]";
12) em manifestação aprovada pelo coordenador Geral de Administração Tributária, Michiaki Hashimura, a Receita corrobora as palavras de José de Brito. Afirma que o ajuizamento de todos os créditos provocaria "problemas no atendimento ao público, pois nem as unidades da Procuradoria da Fazenda nem as da Receita terão condições de prestar a contento o atendimento necessário aos contribuintes que a elas comparecerem";
13) José de Brito informa ainda em seu texto que o governo tenta aparelhar-se para inscrever os 706.932 devedores no cadastro da dívida ativa até meados de 2004;
13) em 27 de fevereiro, o juiz federal Alexandre Sormani, lotado em Marília (SP), proferiu a sua sentença. Anotou: "Não vislumbro, nos documentos apresentados, qualquer comprovação de que efetivamente o problema [...] poderá ser sanado até meados do ano, como dito pela ré [União] em suas informações";
14) considerando que a existência de tantos débitos por ajuizar "foge à razoabilidade", o juiz condenou a Fazenda a inscrever os R$ 8,5 milhões em dívida ativa até 27 de julho de 2004. A decisão é liminar (provisória). Vale para todo o território nacional. Até sexta-feira, Brasília não havia recorrido da sentença;
15) na semana passada, Palocci recebeu mais uma má notícia: os procuradores fazendários entraram em greve por tempo indeterminado. Pedem aumento salarial e melhoria nas condições de trabalho. A atmosfera, que já estava carregada, tornou-se irrespirável.


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