São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2004

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ELIO GASPARI

Intervir nos planos de saúde é bom remédio

A Fenaseg (Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados) divulgou um comunicado informando que apóia a política de seus associados de impor aos fregueses de seus planos de saúde aumentos de até 80%. Dando bois aos nomes, os principais associados são o Bradesco e a Sul América. Foi essa a sua linguagem:
"É justo, razoável e adequado que os usuários paguem pelo uso do serviço contratado. Se isso não acontecer, a onerosidade excessiva desses contratos poderá comprometer a continuidade do atendimento".
Não é justo, razoável nem adequado que uma corporação empresarial argumente com a choldra ameaçando-a com a suspensão do atendimento. Greve de empresas de saúde? Ver para crer.
Não é justo, razoável nem adequado que uma federação de empresários use uma linguagem intimidadora para justificar aumentos de até 80% em seguros de saúde junto a pessoas que são freguesas de seus planos há décadas. Não é justo, razoável nem adequado que a Fenaseg fale dessa forma com a patuléia, livrando a Sul América e o Bradesco do desconforto de encarar suas clientelas, junto às quais gastam bom dinheiro na fabricação de selos politicamente corretos.
Não seria justo, razoável nem adequado que empresas de seguro do Rio de Janeiro instituíssem uma caixinha paralela destinada a remunerar policiais que localizassem carros roubados. Mesmo assim, a Fenaseg sabe que isso aconteceu. Também não seria justo, razoável nem adequado que as empresas continuassem pagando os jabaculês a policiais que, com toda certeza, agenciavam os furtos para receber propinas. Se a Fenaseg quiser mais informações a respeito dessa maracutaia, pode procurar o doutor Anthony Garotinho na Secretaria da Segurança do Rio de Janeiro. Ele denuncia esse conluio há tempo.
É justo, razoável e adequado que os clientes dos planos de seguro-saúde da Sul América e do Bradesco queiram receber de volta um tratamento um pouco melhor que aquele dispensado pelas seguradoras aos ladrões de automóveis e aos policiais de gibi. Se a Sul América e o Bradesco acreditam que essa é a maneira justa, razoável e adequada de falar a clientes que, em última análise, não têm dinheiro para pagar os reajustes, então que se jogue o jogo: as empresas seguradoras de saúde devem ser colocadas diante da possibilidade real de intervenção do governo em suas administrações.
É justo, razoável e adequado que o ministro Humberto Costa prepare uma força-tarefa com o propósito de intervir nas empresas onde achar que essa é a providência necessária. É para isso que o Estado existe. Ele é pago pela choldra para defender seus interesses. No limite, para intervir em seguradoras e empresas de medicina privada que infelicitam seus clientes. Melhor isso do que aporrinhar casas de bingo onde entra quem quer. Nesse sentido, há mais simpatia na tavolagem do que entre os associados da Fenaseg. As casas de jogo querem que os fregueses voltem. Já as seguradoras e empresas do gênero preferem que eles paguem as mensalidades enquanto têm saúde e, quando ficam doentes, aborreçam-se com o mau atendimento e cancelem os contratos.
Pode-se dizer que a ameaça de intervenção é um gesto populista. Melhor assim. Depois de oito anos de tucanato do PSDB e 18 meses de tucanagem petista, talvez esse seja o melhor remédio. Dois copos de populismo com uma colher de sopa de demagogia poderão virar um jogo no qual a plutogogia dá ao andar de cima juros de 16%, ao de baixo, reajustes de 80%, e a Fenaseg ainda se sente no direito de ameaçar quem reclama.


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