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JANIO DE FREITAS
Criadores da crise
A crise faz três meses, a
contar da exibição de suborno gravado nos Correios. No
primeiro mês, Lula reiterou várias vezes: "No meu governo ninguém será demitido se não estiver condenado". No discurso em
que mais pareceu festejar o terceiro mês da crise, com louvações
a si e ao seu governo, do que desejar dizer algo útil ao país desgostoso, disse Lula: "Afastei
prontamente os que foram mencionados".
Apesar disso, Lula foi capaz
também de afirmar: "Eu não
mudei". Forma e teor filiados à
linhagem retórica com que Marcos Valério de Souza havia aberto a semana na CPI: "Eu não
minto".
Não a substância, mas o espírito da crise é um festival de mentiras, talvez uma competição entre
modalidades de hipocrisia, que
em menor número de competidores, pode-se admitir, não passaria de inconsciência. Mas nem
esses escapam a uma pesada responsabilidade.
Os parlamentares petistas que
se sentiram "traídos e revoltados", à maneira do senador
Aloysio Mercadante, ao saberem
dos crimes financeiros do PT divulgados por Duda Mendonça,
não diminuem com sua indignação a parcela de culpa que têm
na criação da crise e do pasmo
inquietante estendido ao país todo.
Nada do que se vê ou se comprova agora começou com a
aliança de dirigentes petistas a
operadores da criminalidade financeira (dos quais a Diretoria
de Fiscalização do Banco Central
só toma conhecimento pelos jornais). Tal associação é conseqüência.
Na origem do processo têm relevância os parlamentares petistas e o diretório nacional do PT.
O ponto de partida foi a concessão dos petistas ao abandono
de tudo o que defenderam, representaram e prometeram ao longo de sua existência política. Os
petistas investidos do poder de
governo travestiram-se ainda
antes da posse. Desde o seu primeiro momento como governante, o PT renegou-se. Não me refiro, até por desnecessidade, à sujeição da política econômica aos
preceitos do FMI, sem nem sequer esboçar o exame de atenuações, ao menos atenuações. Refiro-me à política social, desde a
primeira iniciativa do governo
-a "reforma" da Previdência-
modelada pelos preceitos anti-sociais do conservadorismo mais
duro. Quatro, só quatro parlamentares do PT, mantiveram-se
leais aos seus e aos princípios
pregados pelo petismo.
As concessões políticas avalizadas pelo diretório nacional e pelos parlamentares transformaram-se, por desdobramento lógico, em concessões programáticas.
Aceitas, todas, pelo diretório nacional e defendidas pelos senadores e deputados petistas, com exceções tímidas em número e na
atitude. O PT estava igualado a
todos os partidos, concedente como todos em troca de usufruir
das vantagens, eleitorais e outras, de ocupar o poder. Por essa
concessão absoluta são responsáveis todos os petistas que a aceitaram, não faz diferença se a assumindo ou apenas tolerando-a.
Perdido o pudor para abrir
mão dos princípios ideais e programáticos, a decorrência natural era a perda do pudor para
abandonar os princípios morais.
Estes e aqueles têm afinidade indissociável. Mesmo na flexibilidade própria da política. O PT
tornou-se um ambiente de relaxamento ético: entre os parlamentares, sujeição geral, aprovando qualquer coisa a desejo
dos chefões; nas práticas partidárias, a sujeição ao grupo que empalmou o poder interno e controlou o poder governamental. A
reação a isso não passou do que,
dito com certa impiedade, foram
apenas muxoxos.
Só há pouco, enquanto os líderes petistas e seus prepostos continuavam defendendo até os
comprometidos com as falcatruas já denunciadas, emergiu
entre os parlamentares do PT
uma atitude organizada e franca
de defesa dos princípios originais
do petismo. Mas não conseguiu
ir além de 21 integrantes. Em
mais de cem. Mesmo o surgimento de reação denuncia, por sua
quase insignificância, o comprometimento dos parlamentares e
do diretório nacional com a degração do PT e com a frouxidão
ética que gerou a crise.
Lula: "Eu me sinto traído e indignado". Não está sozinho. Dezenas de milhões sentem o mesmo. Mas em direção diferente.
Fora
Aqui citado várias vezes na nota de quinta-feira, em duas delas
o deputado petista Paulo Pimenta virou Paulo Pimentel. Não
atribuo a lapso, como pareceria,
mas a coerência involuntária.
Confundir os dois Paulos não
agravou um nem outro. O Pimentel também chegou à notoriedade nacional como acusado
de práticas inaceitáveis.
Paulo Pimenta renunciou à vice-presidência da CPI do Mensalão. Mas continua na comissão, o
que é absurdo em se tratando de
alguém que tentou impingir
uma fraude na própria CPI, com
acusação falsa a 102 pessoas em
documento forjado. E esteve em
conluio comprovado com o próprio investigado Marcos Valério
de Souza. Nem é só o lugar na
CPI que Paulo Pimenta não pode manter, sob pena de comprometê-la. É também a cadeira de
deputado.
$$$
A nova versão apresentada por
Valdemar Costa Neto, para os
R$ 10 milhões que lhe são destinados na generosidade petista de
Marcos Valério, lança um véu
protetor sobre os deputados do
PL e o próprio Costa Neto. Se o
pagamento foi acertado, em reunião testemunhada até por Lula
e José Alencar, antes da campanha eleitoral PT-PL e para custeá-la, nenhum deputado do PL
recebeu o mensalão. São todos
inocentes. Como o angelical Valdemar Costa Neto.
A propósito: as CPIs deveriam
rever o depoimento e as entrevistas de Maria Christina Mendes
Caldeira, ex-mulher de Valdemar Costa Neto. Ela se referiu a
viagens de Costa Neto ao exterior para busca de dinheiro, inclusive com Delúbio. E cita a
Trade Link muito antes de Duda
Mendonça fazê-lo, como uma
das depositantes externas em sua
conta nas Bahamas.
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