São Paulo, sexta, 14 de agosto de 1998

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DIPLOMACIA
País se sentiu preterido em negócio de US$ 359,3 mi com a França
Governo dos EUA ameaça Brasil por licitação da PF

FERNANDO RODRIGUES
da Sucursal de Brasília

O governo dos Estados Unidos está ameaçando interromper seus esforços para que companhias norte-americanas invistam no Brasil se o governo brasileiro insistir em conceder à França, sem licitação, um contrato de US$ 359,3 milhões.
A ameaça está em uma carta do embaixador David Aaron, subsecretário de Comércio Internacional do Departamento de Comércio norte-americano.
Aaron diz que a dispensa de licitação "cria a percepção de que fatores diferentes de preço, qualidade de tecnologia e financiamento estejam sendo decisivos para a concessão dos contratos".
Em seguida, vem a ameaça: "Essa percepção complica os nossos esforços mútuos para encorajar as companhias americanas a investir no Brasil".
Datada de 19 de maio, a carta de Aaron foi enviada ao ministro da Justiça do Brasil, Renan Calheiros. Os EUA pedem, de forma direta, que o governo brasileiro faça uma licitação internacional antes de comprar os equipamentos para a Polícia Federal.
Essas compras fazem parte dos projetos Pró-Amazônia e Promotec. A Folha já havia revelado a dispensa de licitação em sua edição de 19 de abril passado.
Depois da reportagem da Folha, o caso foi embargado no Senado, instância responsável pela autorização de financiamento externo do governo. Os contratos definitivos ainda não foram assinados.
O TCU (Tribunal de Contas da União) foi acionado para fazer uma auditoria. Mesmo assim, a PF continuou a ultimar os detalhes para fazer a compra da França Äna realidade, do governo francês, pois a empresa que intermediará o negócio é uma estatal francesa, a Sofremi.
O fato de a PF ter emitido sinais de que pretende forçar a assinatura dos contratos com a França, sem licitação, irritou o governo norte-americano.
Ao ter acesso à carta de David Aaron (uma cópia carimbada pela PF), a Folha telefonou para a Embaixada norte-americana em Brasília para confirmar a autenticidade da correspondência.
Por intermédio da sua assessoria de comunicação, a Embaixada dos EUA confirmou a existência do documento. Sem dizer se já obteve resposta, a assessoria fez apenas um comentário curto sobre o episódio: "Não há nada a acrescentar ao que está contido na carta".
Essa compra do governo brasileiro é considerada, segundo a Folha apurou, uma compensação para a França por causa do projeto Sivam, de vigilância da Amazônia.
O Sivam custou US$ 1,4 bilhão e foi entregue à norte-americana Raytheon. Na época, o ano de 95, a empresa francesa Thomson foi preterida.
Apesar dos protestos da França, e por pressão dos EUA, o projeto Sivam teve uma tomada internacional de preços antes de o negócio ser concluído. Agora, o governo brasileiro não quis fazer essa tomada de preços.
Por essa razão o governo dos EUA resolveu protestar. Na sua carta, o governo norte-americano diz o seguinte:
"Eu acredito que o Brasil compartilha da importância que o governo dos EUA coloca em um processo de licitação pública internacional para grandes projetos como esses".
Em tom seco e direto, a carta do governo dos EUA sugere que falta transparência no processo de concessão dos contratos do Pró-Amazônia e Promotec à França:
"Ao lançar uma licitação internacional (...), a PF e o povo brasileiro terão confiança de que a concessão desses contratos será resultado de um processo aberto, transparente e competitivo".
No último parágrafo, uma frase dá à carta dos EUA um tom semelhante ao de um ultimato:
"Eu espero que o sr. revise radicalmente esse assunto para garantir que todas as empresas interessadas tenham a permissão para competir nesses projetos".



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