São Paulo, sexta, 14 de agosto de 1998

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JANIO DE FREITAS
Os preços e os votos

Com tantos e tamanhos problemas pelo país afora, o confronto entre os donos de supermercados e o ministro da Justiça, em torno da ressurgida exigência de preço inscrito em cada produto, parece apenas uma tentativa malsucedida de incluir algum riso na sucessão de sustos, ameaças e crises que por aqui se chama de estabilidade.
É a polêmica mais relevante do momento, porém. Suspeita, por muita gente, de fabricada para que o governo dê ao candidato Fernando Henrique Cardoso um exemplo, pelo menos um, de que contrariou alguns empresários. Os que têm tal desconfiança contam com boa justificativa.
Por que exótico motivo, se não por procura de possíveis ações eleitoreiras, iria o governo fazer repentina sondagem de opinião pública para saber o que pensam os consumidores sobre a presença de preços só nas prateleiras, como hoje, ou em cada produto, como era feito? Se queixas de consumidores o motivassem, não se explicaria que outras, muito mais numerosas e graves, não o tenham feito até hoje.
Com esses marqueteiros que infestam e degradam as eleições, afastando cada vez mais a democracia, convém admitir todas as piores hipóteses. Mas os donos de supermercados, por sua vez, não precisam, também eles, alvejar os cidadãos com imitações do que fazem os marqueteiros eleitorais.
Dizer, como fazem dirigentes da associação de supermercadistas, que a aposição de preço nos produtos, por selo próprio ou no espaço do código de barras (isso é usado aqui e muito comum no exterior), causaria aumento de 5% nos preços em geral é supor que só os donos de supermercados não são idiotas. Suposição cuja falta de compostura é, por si só, sugestiva da conveniência de prevenir-nos contra preços adulterados.
Não é menos falsificante a afirmação, que tem a mesma origem, de que os consumidores podem comparar, nas caixas pagadoras, os preços aí registrados e os indicados nas prateleiras. Primeiro, quem está comprando vários produtos não memoriza todos os respectivos preços vistos nas prateleiras. E, ainda que os memorize, é vítima de um sistema que impede a verificação e beneficia o supermercado.
Os preços vão sendo registrados enquanto o consumidor transfere, do carrinho para o balcão de pagamento, as suas compras, em seguida, para economia ainda maior do supermercado, cada vez mais é o próprio consumidor que ensaca as compras, à medida que são liberadas pela caixa. Esse sistema é lucrativo para o supermercado, mas contrário à comparação entre os preços nas prateleiras e no misterioso código de barras que determina a conta do freguês.
No final do confronto é que ficará nítido se o assunto do governo é com os supermercados ou com o mercado de votos.



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