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QUEIMANDO A LÍNGUA
Lula, "você' e o "de
que'
PASQUALE CIPRO NETO
Não é necessário dizer que
Lula carrega fardo pesado.
Muita gente, que nem sequer
ouve o que ele diz, vai logo tachando-o de analfabeto.
O discurso de Lula, no entanto, é articulado. Lula é articulado. Seu vocabulário e sua sintaxe, por exemplo, não diferem do padrão apresentado
por brasileiros urbanos letrados, informados e politizados
-candidatos ou não.
Lula erra a concordância, como a maioria dos brasileiros.
Em Natal, durante entrevista
que antecedeu sua participação no congresso da SBPC, Lula disse que "é importante todas ações". Nenhuma novidade. Como bom brasileiro, Lula
põe o verbo no singular com o
sujeito posposto no plural.
Posto isso, e voltando ao que
afirmei na primeira coluna
desta série -nenhum preconceito contra nenhum candidato-, vamos a alguns detalhes
do discurso do petista.
O famoso "de que" é uma
das marcas atribuídas a Lula. O
que é isso? É o uso desnecessário do de antes do que.
"Queremos deixar claro de
que nossa posição é absolutamente consistente", por
exemplo, é caso de uso desnecessário da preposição de. O
verbo deixar não pede a preposição de. Afinal, alguém deixa
claro algo, e não deixa claro de
algo. Basta dizer "deixar claro
que", e não "de que".
Em Natal, Lula disse: "O
presidente deu ontem uma demonstração inequívoca de que
nem ele acredita...". Depois
disse: "É preciso que os homens públicos dêem no mínimo demonstração de que a
classe política...".
Que tal as duas ocorrências
de "de que"? Corretas. Nos
dois casos, o de sai do substantivo demonstração. Dá-se demonstração de alguma coisa.
Depois, Lula disse: "Queremos dizer aos cientistas
que...". Disse também: "A
tecnologia já permite que o homem conviva...". E ainda: "O
presidente é o primeiro a reconhecer que...".
Acertou nos três casos. Os
verbos dizer, permitir e reconhecer não pedem a preposição de (dizer algo, permitir algo, reconhecer algo).
Em outros tempos, Lula certamente teria dito "de que"
nos três casos. Parece que
-tanto melhor- perdeu o cacoete, do qual muitos ainda
não se livraram.
Mas não perdeu outro, cansativo. O de usar "você" como indefinido, genérico:
"Acho importante você tentar
limitar...". O problema é que
esse "você" não era a pessoa
com a qual Lula conversava
-um jornalista, no caso.
Lula usou isso várias vezes.
Lembrou-me uma matéria que
vi na televisão. Um repórter
-homem- entrevistava uma
mulher grávida. Inabalável, a
futura mamãe disparou, diante
do atônito repórter: "Quando
você fica grávida...".
Sem comentário. É isso.
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