São Paulo, sexta, 14 de agosto de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CELSO PINTO
Fiscal versus social

Um segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso deveria priorizar um forte ajuste fiscal ou apostar em programas ousados na área social?
Para o vice-presidente do Banco Mundial (Bird) para a América Latina, Shahid Javed Burki, essa é uma falsa dicotomia. A seu ver, é possível conciliar um esforço de ajuste fiscal, com uma ênfase na área social.
O que falta na área social no Brasil não é volume de recursos, mas qualidade de gastos, disse Burki à coluna, esta semana, em São Paulo. Esse diagnóstico, diga-se, é compartilhado pela primeira-dama Ruth Cardoso, como ela disse na terça-feira.
A América Latina, em média, gasta mais na área social do que os países emergentes da Ásia, lembra Burki. Mesmo assim, a situação social na Ásia é muito melhor do que na América Latina.
Outro exemplo expressivo é a Argentina. O país gasta em saúde 12% do PIB, um dos mais altos índices mundiais, em termos relativos. Nem por isso tem um sistema de saúde exemplar. O Brasil gasta metade disso, calcula o Bird: cerca de 3,5% do PIB via governo e outros 2,5% por meio do setor privado.
Uma análise de 95 feita pelo Bird sobre a pobreza no Brasil mostrava claramente a distorção nos gastos sociais. Em várias áreas, como a educação, os gastos beneficiam mais os relativamente mais ricos.
Burki, contudo, acha que houve avanços recentes, especialmente na educação. Além da qualidade de alguns programas, ele acha que melhorar a educação virou um consenso nacional: ganhou espaço na agenda do país e do governo. Ter esse consenso é vital para o sucesso, lembra, como mostra o exemplo do combate à inflação. Só deu certo quando virou amplo consenso.
Desde o ano passado, o Bird vem defendendo uma "segunda geração de reformas" para a América Latina. O diagnóstico geral, que está num trabalho recém-concluído de Burki e Guillermo Perry, é que a região teve sucesso ao fazer as reformas preconizadas pelo chamado "Consenso de Washington": ajuste fiscal, liberalização do comércio exterior, privatização etc.
No entanto, isso não foi suficiente para garantir nem uma taxa mais expressiva de crescimento na região, que reduzisse o desemprego, nem para melhorar a distribuição de renda. O que faltou?
Na visão do Bird, faltam reformas institucionais, que garantam uma base adequada para um crescimento mais rápido. No trabalho, Burki identifica quatro áreas prioritárias para reformas institucionais: educação, administração pública, mercado financeiro e Judiciário. O trabalho indica várias evidências de como a falta de um quadro institucional adequado nessas áreas acaba afetando o crescimento.
No caso do Brasil, Burki coloca muita ênfase na reforma da administração pública. Um diagnóstico recente do Bird mostra que na administração federal o número de funcionários é razoável, quando comparado a outros países, mas o salário médio é 35% superior ao do setor privado. Nos Estados, é o inverso: os salários são comparáveis ao setor privado, mas o número está muito acima do razoável.
Ajuste administrativo, contudo, não é sinônimo de Estado fraco. "Num contexto econômico em que o setor privado prevalece, o Estado tem de ser muito forte, para poder regular com eficiência", diz Burki. "Como nos Estados Unidos", compara. A seu ver, esse foi o ponto no qual a América Latina mais falhou no passado recente: privatizou, mas não montou uma regulação forte e adequada.
Mesmo assim, ele acha que houve avanços na qualidade da administração, tanto federal quanto estadual. Houve avanços recentes também na regulação do setor financeiro brasileiro e na educação. No Judiciário há muito o que fazer, mas o Bird não tem um diagnóstico detalhado (na Argentina, há um programa de reforma do Judiciário em marcha).
O Bird está envolvido em vários programas no Brasil em educação, reforma administrativa, saúde, grandes metrópoles (transporte, saneamento etc.) e reforma agrária "de mercado" (no qual a terra é comprada, não desapropriada).
Resolver o problema da pobreza absoluta é possível, diz Burki, como mostram várias experiências internacionais. A melhoria da educação básica é uma alavanca essencial. Acima dos 25% mais pobres, o essencial é emprego estável -e isso, só com crescimento sustentável que, na visão do Bird, depende das reformas institucionais.




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.