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CELSO PINTO
Fiscal versus social
Um segundo mandato de
Fernando Henrique Cardoso
deveria priorizar um forte
ajuste fiscal ou apostar em
programas ousados na área
social?
Para o vice-presidente do
Banco Mundial (Bird) para a
América Latina, Shahid Javed
Burki, essa é uma falsa dicotomia. A seu ver, é possível
conciliar um esforço de ajuste
fiscal, com uma ênfase na
área social.
O que falta na área social no
Brasil não é volume de recursos, mas qualidade de gastos,
disse Burki à coluna, esta semana, em São Paulo. Esse
diagnóstico, diga-se, é compartilhado pela primeira-dama Ruth Cardoso, como ela
disse na terça-feira.
A América Latina, em média, gasta mais na área social
do que os países emergentes
da Ásia, lembra Burki. Mesmo
assim, a situação social na
Ásia é muito melhor do que
na América Latina.
Outro exemplo expressivo é
a Argentina. O país gasta em
saúde 12% do PIB, um dos
mais altos índices mundiais,
em termos relativos. Nem por
isso tem um sistema de saúde
exemplar. O Brasil gasta metade disso, calcula o Bird: cerca de 3,5% do PIB via governo
e outros 2,5% por meio do setor privado.
Uma análise de 95 feita pelo
Bird sobre a pobreza no Brasil
mostrava claramente a distorção nos gastos sociais. Em várias áreas, como a educação,
os gastos beneficiam mais os
relativamente mais ricos.
Burki, contudo, acha que
houve avanços recentes, especialmente na educação. Além
da qualidade de alguns programas, ele acha que melhorar a educação virou um consenso nacional: ganhou espaço na agenda do país e do
governo. Ter esse consenso é
vital para o sucesso, lembra,
como mostra o exemplo do
combate à inflação. Só deu
certo quando virou amplo
consenso.
Desde o ano passado, o Bird
vem defendendo uma "segunda geração de reformas" para
a América Latina. O diagnóstico geral, que está num trabalho recém-concluído de
Burki e Guillermo Perry, é que
a região teve sucesso ao fazer
as reformas preconizadas pelo
chamado "Consenso de Washington": ajuste fiscal, liberalização do comércio exterior,
privatização etc.
No entanto, isso não foi suficiente para garantir nem uma
taxa mais expressiva de crescimento na região, que reduzisse o desemprego, nem para
melhorar a distribuição de
renda. O que faltou?
Na visão do Bird, faltam reformas institucionais, que garantam uma base adequada
para um crescimento mais rápido. No trabalho, Burki identifica quatro áreas prioritárias para reformas institucionais: educação, administração pública, mercado financeiro e Judiciário. O trabalho
indica várias evidências de
como a falta de um quadro
institucional adequado nessas
áreas acaba afetando o crescimento.
No caso do Brasil, Burki coloca muita ênfase na reforma
da administração pública.
Um diagnóstico recente do
Bird mostra que na administração federal o número de
funcionários é razoável,
quando comparado a outros
países, mas o salário médio é
35% superior ao do setor privado. Nos Estados, é o inverso:
os salários são comparáveis
ao setor privado, mas o número está muito acima do razoável.
Ajuste administrativo, contudo, não é sinônimo de Estado fraco. "Num contexto econômico em que o setor privado prevalece, o Estado tem de
ser muito forte, para poder regular com eficiência", diz
Burki. "Como nos Estados
Unidos", compara. A seu ver,
esse foi o ponto no qual a
América Latina mais falhou
no passado recente: privatizou, mas não montou uma regulação forte e adequada.
Mesmo assim, ele acha que
houve avanços na qualidade
da administração, tanto federal quanto estadual. Houve
avanços recentes também na
regulação do setor financeiro
brasileiro e na educação. No
Judiciário há muito o que fazer, mas o Bird não tem um
diagnóstico detalhado (na Argentina, há um programa de
reforma do Judiciário em
marcha).
O Bird está envolvido em
vários programas no Brasil
em educação, reforma administrativa, saúde, grandes metrópoles (transporte, saneamento etc.) e reforma agrária
"de mercado" (no qual a terra
é comprada, não desapropriada).
Resolver o problema da pobreza absoluta é possível, diz
Burki, como mostram várias
experiências internacionais.
A melhoria da educação básica é uma alavanca essencial.
Acima dos 25% mais pobres, o
essencial é emprego estável
-e isso, só com crescimento
sustentável que, na visão do
Bird, depende das reformas
institucionais.
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