São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2008

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ELIO GASPARI
A banca e sua janela de oportunidade no STF


Quem teve a poupança tungada em 1989 e esperou 20 anos poderá ficar a ver iates de banqueiros

HÁ O RISCO de aparecer uma liminar tóxica no caminho do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes. Sábado a Corte entra em férias e até o dia 31 de janeiro ele responderá aos pedidos de liminares. (Tecnicamente, poderá transferir alguns plantões ao ministro Cezar Peluso.) Qualquer liminar concedida durante o recesso deverá ser submetida ao referendo dos outros dez ministros a partir de fevereiro. Essa foi a tramitação do habeas corpus pedido pelo banqueiro Daniel Dantas. A Polícia Federal prendeu-o em julho, ele bateu à porta do STF e Gilmar Mendes mandou soltá-lo. Em novembro o tribunal pleno confirmou a decisão do ministro.
É possível que durante o recesso chegue ao Supremo um pedido de liminar numa Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ou ADPF, contra uma jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça em 2000. Ela estabeleceu que a banca precisa devolver uma tunga aplicada em janeiro de 1989 no bolso dos depositantes de cadernetas de poupança. A coisa funcionou assim: tentando conter a inflação de 50% ao mês, o governo trocou a índice de remuneração da poupança de fevereiro. Saiu o Índice Nacional de Preços ao Consumidor, que determinava uma remuneração de 41,72%, e entrou a Letra Financeira do Tesouro, que pagava 22,35%. Morderam 20% do rendimento.
Desde 1989 as vítimas do chamado "Plano Verão" tentam receber de volta seu dinheiro. O bancos dizem que não devem reembolsar os correntistas porque simplesmente cumpriram o que o governo determinou. Entidades de defesa da patuléia sustentam que a banca deve o que embolsou. Esse foi o entendimento de todos os tribunais que julgaram a questão nos últimos anos. Prevaleceu o argumento segundo o qual os bancos foram beneficiados pela tunga e continuaram rodando o dinheiro na ciranda financeira que só acabaria em 1994, com o Plano Real. Quem tinha 1.000 novos cruzados na poupança em 1989 teve seu ressarcimento fixado, na média, em R$ 610.
A banca diz que a devolução custará R$ 100 bilhões aos seus cofres. (Metade desse dinheiro teria que ser desembolsado pelos bancos oficiais.) Outra conta, feita por Roberto Luís Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos, a Febraban, fixa o valor em R$ 29 bilhões, que não seriam sacados simultaneamente.
Só há um jeito de não devolver o dinheiro. Trata-se de sacar uma ADPF, com um pedido de liminar. Concedida, ela sustaria todos os processos e todas as devoluções. A banca teve nove anos para recorrer a esse mecanismo. Fazendo-o amanhã, ou até sexta-feira, com o Supremo aberto, o pleito será distribuído, num regime de rodízio, a qualquer um de seus dez ministros. (O presidente da Corte fica fora desse mecanismo.) Fazendo-o na próxima segunda-feira, com o tribunal em férias, aquilo que era um plenário com 11 cabeças e 11 sentenças passa a ser um plantão com uma só cabeça, a de Gilmar Mendes. Como a banca nunca teve pressa, o pedido da liminar durante o recesso indica uma intenção de contornar o rodízio. No caso de Daniel Dantas, por exemplo, o habeas corpus foi pedido durante as férias porque ele acabara de ser preso.
Uma liminar concedida (ou negada) pelo presidente do STF tende a ser confirmada pelo plenário. Em qualquer caso, o julgamento do mérito da ADPF, encerrando definitivamente a questão, pode levar alguns anos. Não é elegante que os advogados da banca se deixem confundir com litigantes de boa pontaria. Colocam o presidente do Supremo numa situação delicada. Se ele concede a liminar, porque entende que esse é o direito, permite uma maledicência segundo a qual a banca foi ao tribunal durante o recesso porque esperava esse resultado. Até aí, é o jogo jogado, pois Mendes terá votado de acordo com suas convicções. Apesar disso, não haverá força no universo capaz de desmentir que os bancos usaram um artifício que alterou o cálculo das probabilidades e, ao final, viram-se atendidos.

CENA AMERICANA
Princeton, 1981: a jovem Catherine Brown, cuja mãe se empregara numa boa escola privada de Nova Orleans para educar direito a filha, chegou ao dormitório da universidade, incubadora da elite americana. Encontrou uma negra e teria que dividir o quarto com ela durante o ano letivo. Quando a mãe de Catherine soube da surpresa, telefonou para Deus e todo mundo, pedindo que mudassem sua filha de quarto. Afinal, não era justo que a política de ação afirmativa de Princeton começasse impondo à sua menina a companhia desse tipo de gente. Era muita falta de sorte, pois a escola tinha 1.100 alunos e apenas 94 calouros negros. Nos dormitórios das universidades forjam-se muitas conexões sociais da elite americana e o convívio com a negra seria no mínimo um desperdício de companhia. A negrona chamava-se Michelle Robinson, atual senhora Barack Obama, diplomada por Princeton e Harvard.

QUIROMANCIA
O Banco Central trabalha com dois cenários para a crise da economia americana. No melhor, a recessão dura mais 18 meses. No pior, dura dois anos.

ERRO
Estava errada a informação aqui publicada segundo a qual o bilionário Warren Buffett perdeu US$ 4,2 bilhões com a queda do valor das ações do banco Goldman Sachs. Ele não perdeu um só ceitil, pois não comprou ações, cotadas a US$ 121 à época. Buffett adquiriu debêntures do Goldman Sachs, com rendimento garantido de 10% ao ano. Na noite do dia 31, fechará 2008 com mais US$ 2,5 bilhões no cofre. Por falar em Réveillon, quando Buffett é apresentado a um vinho caríssimo, costuma perguntar ao dono da casa: "Posso receber o meu em dinheiro?".

CENA BRASILEIRA
A obra representativa da Bienal de São Paulo foi exposta nos cárceres da cidade. Caroline Pivetta da Mota, a jovem que pichou uma parede branca no andar vazio da Bienal, está há 49 dias na cadeia. Gilberto Souza Silva, o segurança das Casas Bahia que matou um cliente indefeso com um tiro no rosto, foi libertado 20 dias depois.

ELÁSTICO
O senador Tasso Jereissati esticou demais o elástico quando disse que a Caixa Econômica emprestou R$ 2 bilhões à Petrobras a juros subsidiados, cobrando menos do que pagava pelo dinheiro que capta. A Caixa emprestou à Petrobras a uma taxa de 14,2% ao ano. Durante o mês de outubro ela fez quatro operações de valor superior a R$ 100 milhões e cobrou uma taxa média de 15,8%. A diferença pode ser explicada pelo vulto do financiamento e pelo conceito do crédito da Petrobras (AA). Nos outros quatro empréstimos, as empresas estavam nos patamares que demandam ao banco uma provisão de 0,5% a 1% sobre o valor da operação. Em outubro o custo médio de captação da Caixa foi de 13,3% ao ano.

FALSO BRILHANTE
O PSDB combate o mandarinato petista apresentando-se como o partido da modernidade, adversário dos interesses aparelhados e corruptos. Tudo bem, mas os candidatos José Serra e Aécio Neves deveriam iniciar gestões para dar de presente ao PT os governadores tucanos José de Anchieta Jr. (Roraima) e Cássio Cunha Lima (Paraíba). Um está com o mandato cassado pelo Superior Tribunal de Justiça. O outro é o paladino dos fazendeiros que invadiram terras da União em Roraima. Sua clarividência levou uma surra de 8 x 0 no Supremo Tribunal.


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