São Paulo, terça-feira, 15 de janeiro de 2008

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JANIO DE FREITAS

A história à espera


Após o depoimento de um ex-agente uruguaio, a recusa em investigar a morte de Jango seria incompreensível


AS TRÊS DÉCADAS passadas desde as mortes de João Goulart, Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda mais alimentaram, com a seqüência de esquivas a investigações conclusivas, do que atenuaram as suspeitas de triplo assassinato sobre as quais, enfim, há um ponto de partida substanciosa. Já está entregue à Procuradoria Geral da República. E a recusa a aceitá-lo, para abrir investigação sobre as circunstâncias da morte de João Goulart, dificilmente seria compreensível. A oportunidade, aliás, coincide com o momento em que, na Itália e nos Estados Unidos, o Brasil é acusado de obstruir a apuração dos fatos de sua ditadura e de ser o último país dos "anos de chumbo" a fazê-lo ainda. Acusações que valem por uma sentença.
A longa e até agora inútil batalha da família Goulart pela exumação do ex-presidente, morto no exílio em 1976 e enterrado no Rio Grande do Sul, teve o seu fundamento agora comprovado pela inesperada confissão de um ex-agente uruguaio, em depoimento para um documentário de João Vicente Goulart. Mario Neira Barreiro, que já dera indicações factuais de sua espionagem à família Goulart, como agente, aos 22 anos, do serviço secreto do Uruguai, deu agora pormenores da inclusão de uma pílula venenosa entre os remédios que, por provável precaução, Jango fazia virem da França para sua cardiopatia. O veneno foi posto por outro agente, infiltrado como empregado no hotel habitado pelos Goulart em Buenos Aires.
João Vicente, como narrou a Carter Anderson, do "Globo", no pedido de inquérito feito à Procuradoria Geral da República, incluiu útil e, indicam incontáveis ocorrências pregressas, urgente pedido de proteção a Neira Barreiro, hoje em presídio de segurança máxima, próximo de Porto Alegre, por formação de quadrilha, roubo e uso ilegal de armas.
A batalha da família Goulart tem ainda, a justificá-la, uma equivalente no Chile. No ano passado, exames na Universidade de Gent, na Bélgica, comprovaram que a morte do ex-presidente chileno Eduardo Frei, como sua família sempre suspeitara, decorreu de envenenamento por gás mostarda. Arma terrível na Primeira Grande Guerra, sua nova fabricação foi atribuída à Dina, agência de ações secretas e comprovados assassinatos da ditadura Pinochet.
Frei, presidente de 1964 a 70, foi o impulsionador da relevância reformista que a Democracia Cristã teve na América Latina, inclusive no Brasil. Do golpe americano-chileno até sua morte inesperada, quando internado para um tratamento considerado sem risco, foi forte opositor da ditadura de Pinochet. Desde sua morte até que, em 2007, exames pudessem confirmar o envenenamento, a batalha de seus familiares e correligionários consumiu 24 anos. Um quarto de século para ver-se comprovado um crime. A morte de Jango já tem quase 32 anos, um terço de século.
Carlos Lacerda morreu em situação muito semelhante a Eduardo Frei. Internara-se por um adoecimento súbito, do qual morreu em breve tempo, sem período de melhora apesar dos esforços e sem causas divulgadas. Sua família adotou, a respeito, o silêncio absoluto mantido até hoje. A família de Juscelino assumiu atitude idêntica, em relação ao acidente mortal na Rio-São Paulo. As três mortes se deram quando ainda perdurava a ebulição política, e a respectiva reação dos militares, provocada pela Frente Unida que a iniciativa de Lacerda formara com Juscelino e Jango contra a ditadura.
Na segunda-feira passada, morreu em Cuba, onde dividia sua vida com a Alemanha, uma brava pessoa que foi agente da CIA entre os seus 21 e 33 anos. Teve papel primordial na revelação das ações da CIA sobretudo na América Latina, onde Phillipe Agee operou, entre outras coisas, na espionagem incessante a exilados brasileiros ligados a Brizola e a Jango. Por seu livro, "Inside the Company", e pelas revelações que continuou fazendo, Agee foi considerado pelo governo americano "perigo para a segurança nacional", e passou anos sumido para sobreviver.
A história dos nossos anos ainda está só na superfície.


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