São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

Infeliz aniversário

Cada um comemora as suas datas como queira. Apesar disso, não fossem os petistas esses seres originais que, ao chegar ao governo, viraram do avesso, não haveria o que explicasse a celebração, tão peculiar, dos 24 anos do PT, a começar do bolo levado por um dos ministros petistas, levado no rosto.
A propósito, as atitudes tortas do ex-sinistro da Previdência contra os anciãos afinal permitiram, contra todas as expectativas, que até os aposentados vissem Ricardo Berzoini, por um momento em sua vida, como um homem doce. Já a festança contratada no hotel Glória, cuja categoria merece melhores usos, teve amargor duplamente merecido. Primeiro, por ser uma comemoração falseada, celebrando a criação daquilo que o PT deixou de ser e que os petistas passaram a renegar. Depois, pelo desaforo de fazer a festa no Rio, que deu 80% dos seus votos a Lula, mas nunca foi tão maltratado pelo governo federal quanto no governo Lula.
O exótico modo petista de comemorar aniversário, deixando-se atingir por um belo escândalo de corrupção, não faltaria, porém, com algum marketing no único assunto que interessa a Lula, as relações internacionais. O festeiro governo encerrou, então, o longo período em que não se teve oportunidade de homenagear os norte-americanos com a lembrança de um dos seus chavões prediletos: o homem certo no lugar certo. É, agora, o que se pode dizer da escolha de um tomador de dinheiro da contravenção para negociar, em nome da Presidência da República, o apoio de parlamentares ao governo.
Alguém duvidou que o nível de conversas, para adquirir determinados apoio no Congresso, é o próprio daquele tipo de pessoa que a Presidência acaba de exonerar, sem no entanto desprezar os frutos que lhe trouxe?
A reação do governo foi rápida, mas, não havia como ser de outro modo, insuficiente para reduzir os riscos de que dela mesma advenha a continuidade, senão o agravamento, dos problemas que pretendeu conter. A crônica do exonerado Waldomiro Diniz, em sua passagem no governo fluminense, sugere que a investigação autorizada pelo governo, se correta, tem bastante com que se ocupar. E não há motivo, até pelo contrário, para supor que o (ex) subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência se tenha tomado de rigores só por subir do governo de Benedita da Silva, quando extinto, para o de Lula. O governo federal é sempre o território do maior e mais nefasto tráfico de influência.
Dois aspectos emergem, de imediato, das revelações de atividades passadas do assessor da Presidência. Um, é o divisor que esse caso impõe. Escândalos petistas, consumados como o do governador Flamarion Portela ou em estágio de suspeição como tantos outros, deixam a periferia e retiram, de uma vez, a imagem de austeridade invulnerável que o núcleo de comando do governo e do PT quis ter como proveitosa marca registrada.
O outro aspecto é problema propriamente político, já perceptível. Melhor cabeça política (ou seria a única?) no núcleo do governo, José Dirceu, e não Lula e muito menos a corrupção, é o alvo da oposição ao encontrar um fato consistente a explorar. José Dirceu, visto como um poder tão real quanto arredio, e por isso inconveniente, é também o alvo da maior parte da mídia, cujo padrão de relações com Lula transpareceu bem, dois dias antes da revelação de "Época", no jantar a ele oferecido por uma colunista política do Globo, com numerosos jornalistas políticos de Brasília como comensais. A maioria dos presentes seria incapaz de, mal acabado o evento cordial, criar constrangimentos para o seu recepcionado. Mas já fazia o possível, há muito tempo, para dificultar a vida de José Dirceu no governo.
Um dos efeitos esperáveis dessa tendência será a maior procura de confirmação para os boatos que envolvem José Dirceu, por intermédio de outro assessor (Gilberto Carvalho), com as improbidades que estariam por trás do caso Celso Daniel, em Santo André, para financiamento das campanhas eleitorais do PT. Ainda imprevisíveis são os efeitos nos papéis que cada um desempenha no núcleo do governo, onde a disputa por poder e influência cerca-se de cautelas e de aparências atenuadoras, sem que por isso deixe de ser forte.
E aí o que estará em teste será a competência de Lula para lidar com seu primeiro problema grave: ceder à pressão, já evidente, para afastar ou minimizar a presença de José Dirceu tranqüilizaria a Presidência e o governo, mas a ambos retiraria o integrante que lhes dá alguma visão estratégica e tática política até para o dia-a-dia. Aquilo mesmo que o governo Fernando Henrique perdeu com a morte de Sérgio Motta, ficando entregue ao bater de cabeças até a derrota final.
A capacidade de reação do governo, e particularmente de Lula e de José Dirceu, conta com um aliado poderoso: a partir de quinta-feira, o Carnaval será o único interesse da mídia e por uns 10 a 15 dias os políticos estarão entregues à sua principal atividade -o lazer.


Texto Anterior: Bicheiro diz ter sido vítima de extorsão
Próximo Texto: Jornada dupla: Eleição impõe recesso branco no Congresso
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.