São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

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JANIO DE FREITAS

O começo dos desvios

A "redução da criminalidade", mesmo que só a proporções toleráveis pelas sociedades, depende de um conjunto de fatores extenso e complexo

SEJA QUAL FOR o desfecho da discussão de providências causada pela morte do menino João Hélio, o provável é ficar-se sem resposta para esta interessante questão: quem disse que a redução da idade penal de criminosos, dos atuais 18 para 16 anos, "resolveria o problema da violência" ou "da criminalidade"? Não consta que tais afirmações tenham autor, e, no entanto, negar o seu sentido tornou-se o mais repetido e enfático argumento na discussão. A ponto de constar da instrução do presidente da República, e ser o seu fundamento, para que os governistas impedissem a votação de alguns projetos por senadores, como foi feito.
O poder de milagre não foi atribuído àquela redução da idade penal não só porque milagres sejam matéria de fé, e não de leis. Mas pela obviedade esmagadora da inexistência de uma medida que, por si só, produza efeito ao menos semelhante a solução para a criminalidade.
Esse pangaré de Tróia introduzido na discussão já deixou uma indicação clara do seu propósito paralisante. Como relator de alguns projetos que envolvem a idade penal, o senador Demóstenes Torres produziu uma proposta merecedora de exame. Promotor público de profissão, o senador sugere a diferenciação no enquadramento de menores por crimes hediondos ou crimes menos graves, como furtos e roubos. Os primeiros teriam a idade penal fixada em 16 anos; os demais, em 18.
O PT, por intermédio do senador Aloizio Mercadante, pediu vistas para impedir a votação. Nem ao menos seria a votação para aprovar ou recusar a proposta, propriamente. Tratava-se só de admitir ou negar, na Comissão de Constituição e Justiça, que o relatório de Demóstenes Torres convive ou conflita com os preceitos constitucionais.
O mesmo Aloizio Mercadante é autor de um projeto tão merecedor de apreciação isenta quanto, a essa altura das ameaças monstruosas à vida urbana, todas as sugestões que não partam do desatino. A de Mercadante tem alcance especial: aumenta a pena, capaz até de dobrá-la, nos crimes cujos autores se valham de menores que, responsabilizados, cumpririam em seu lugar apenas o pequeno período em "unidade socioeducativa" até os 18 anos.
O principal acusado na morte de João Hélio é denunciado pela própria família de convencer o irmão de menor idade, 16 anos, a assumir-lhe o papel e livrá-lo, aos 23 anos, da pesada sentença aplicável a maiores de idade. É um golpe com que a polícia se depara todos os dias, nem sempre em condições de anulá-lo.
A "redução da criminalidade", mesmo que só às proporções toleráveis pelas sociedades, depende de um conjunto de fatores extenso, complexo e improvável.
De natureza ética, moral, legislativa, policial, judiciária, administrativa nas três instâncias de governo, de estrutura social, financeira, e não acaba aí. Mas a ninguém a dificuldade dá o direito de prejudicar uma oportunidade de avanço real, por pequeno que seja, em qualquer um daqueles fatores.
Se a simples discussão no Congresso começa já sob motivações políticas, de interesse governamental, é outra oportunidade de contribuição séria que ameaça se frustrar. Ou melhor, frustrar o país.


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