São Paulo, quarta-feira, 15 de março de 2006

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JANIO DE FREITAS

De Serra para Alckmin

A mais original escolha de um candidato à Presidência deu-se entre um pretendente que nunca disse pretender, durante os quase três meses da disputa, e um concorrente que se tornou vitorioso só por ter passado os mesmos três meses repetindo o refrão "eu mantenho a minha candidatura".
A longa permanência de José Serra nas cogitações dos controladores do PSDB, dando-lhe complacentes e incontáveis oportunidades de assumir a pré-candidatura, deixou a evidência de que o resultado da disputa não se deu por preferência da cúpula peessedebista. Deu-se por exaustão partidária.
Não é boa a hipótese de que Serra se sentisse tolhido por seu compromisso de cumprir todo o mandato de prefeito. Esse era um problema a ser tratado fora do âmbito partidário, e nem foi sobrevoado. Se contido pelo compromisso, não haveria por que tantas tratativas de Serra, e por tanto tempo, em torno da candidatura. Serra não disse, mas evidentemente queria ser o candidato, no entanto incapaz de dar o passo nesse sentido.
Se tivesse a firmeza e a presteza de ao menos reconhecer o seu desejo legítimo, quando lhe foi posta a interrogação sobre o que pretendia da oportunidade à sua frente, estava então na liderança das pesquisas e ali tinha o melhor trampolim para projetar uma candidatura promissora. Serra, porém, dedicou os três meses seguintes a elaborar a imagem de pessoa tíbia, indecisa e insincera. Diante da magnitude que é uma candidatura à Presidência, ainda mais de quem detinha a extraordinária posição nas pesquisas acima de Lula, a indefinição de Serra produziu dois efeitos associados: desgastou-o, colaborando para a recuperação de Lula nas pesquisas, e na mesma medida fortaleceu por contraste o decidido Alckmin.
É um traço muito difundido na aristocracia paulista do PSDB, mas nestas semanas José Serra confirmou-se como expoente entre os incapazes de pensar e fazer política taticamente, quanto mais com alguma visão estratégica.
Lula e o PT saem da disputa peessedebista tão vitoriosos quanto Alckmin. A altitude do ponto de partida de Serra equivalia a uma ameaça de mesma dimensão para Lula. Para Alckmin, representa uma escalada penosa, não ainda para a confrontação com Lula, mas apenas para alcançar o pavimento deixado por Serra.
Além de Lula e do PT, a decisão do PSDB sopra otimismo também em direção a uma parte do PMDB. Os defensores da candidatura própria, caso se imponham aos governistas declarados e aos inconfessos, encontrarão um cenário de disputa eleitoral muito mais favorável ao seu candidato. Seria muito mais fácil a penetração de um candidato do PMDB entre Alckmin e Lula, para chegar ao segundo turno, do que seria buscar esse objetivo com a concorrência de Lula e Serra. Foi uma bem executada tática desse gênero que deu o governo gaúcho a Germano Rigotto, agora em disputa com Anthony Garotinho pela candidatura do PMDB à Presidência.
E a esquerda que não (mais) se identifica com Lula e o PT, nem é adepta das juvenilidades do PSOL? Parte dessa esquerda e similares poderia entender-se com Serra como alternativa a Lula, mas Alckmin, discreto embora, pende para o outro lado e como tal deverá ser visto. De qualquer modo, com Serra, Alckmin ou outro, o que ainda se chama de esquerda iria e vai para as eleições em incontáveis pedaços.
Muito menos dividido, mas dividido, vai também o PSDB. A frase com que Serra se pôs à disposição do partido -depois de já decidida a indicação de Alckmin- não faz sentido: "Eu me ponho à disposição do partido, mas não aceito prévias, porque dividiriam o partido". E de onde surgiu o tal "impasse" entre Serra e Alckmin, senão de divisão que, como todas, deixa linhas divisórias? O receio de possíveis efeitos dessa divisão teve presença forte na indecisão de Serra, testemunha e partícipe do alheamento de Fernando Henrique, Tasso Jereissati e outros à candidatura de Mário Covas, quando em disputa com Collor e Lula. Não há motivo para Alckmin acreditar na unidade ativa do PSDB em torno da sua candidatura.
A propósito, candidatura mesmo, só a partir da convenção partidária. Até lá, Alckmin é só indicado. O que pode não significar nada, e pode significar muito.


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