São Paulo, domingo, 15 de março de 2009

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JANIO DE FREITAS

Entre escolas e prisões


No Senado, o projeto de redução da lista de pessoas com direito a prisão especial não reduz a desigualdade

DOIS PROJETOS importantes, pelos sentidos de democracia e de justiça que podem ter, avançam no Senado contradizendo-se um ao outro.
Aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, vai à votação no plenário o projeto que altera o direito de prisão especial. O texto proposto, com ampla probabilidade de aprovação, retira aquele direito, entre outros, a possuidores de diploma universitário e a padres. Preserva, porém, a prisão especial já a priori para uma lista longa e variada: ministros, parlamentares, governadores e prefeitos, militares, ex-jurados, integrantes do Ministério Público e da Defensoria Pública, delegados e outros.
Caracterizado por seu rigor no Senado, o autor do texto, Demóstenes Torres, argumenta que o propósito "é igualar o cumprimento da pena", retirando distorções que o diferenciam. E lembra o caso sempre citado do jornalista Pimenta Neves, que nem cumpre pena.
A redução da lista, no entanto, reduz a relação dos beneficiados, não reduz a desigualdade. Está configurada na antecipação do direito à prisão especial. Por que um ministro, digamos, dos Transportes ou das Comunicações que pratique crime de morte, sem a razão de defesa, e nem ao menos envolvimento funcional, tem assegurado por antecipação o direito de prisão especial? O mesmo se pode indagar sobre parlamentares, prefeitos, governadores, militares, integrantes de Tribunais de Contas e outros.
A finalidade da prisão especial é preservar dos riscos de vingança os que, tendo agido em nome do Estado e da sociedade, possam encontrar, nos presídios e cárceres comuns, condenados atingidos por decisões suas. Logo, o "valor risco" é determinante para que o direito à prisão especial não seja privilégio, seja apenas a proteção devida pelo Estado à vida e à integridade física. O que leva, como diz o jargão aqui aplicável, a que cada caso seria um caso: o propósito da igualdade seria buscado pela avaliação, por parte do juiz, do crime, das circunstâncias e dos riscos do acusado ou réu. O direito dos que figuram na lista seria o dessa consideração especial pelo magistrado, para que as sentenças não levem, nas prisões, a mais do que determinam. Já é terrível que o façam, sem pretendê-lo, a tantos presos comuns ultrajados e seviciados por outros presos.
O outro projeto, cujo texto atual está aprovado pela Câmara, é o que destina metade das vagas nas universidades federais a pretos, pardos, índios e pobres, com o curso médio feito em escola pública. Ainda na Comissão de Constituição e Justiça, o projeto será objeto de mais uma audiência pública, na quarta-feira, com o texto aceito em princípio pela relatora Serys Slhessarenko. Mas o ministro Fernando Haddad, de elogiável desempenho na Educação, alerta para a necessidade de torná-lo mais preciso e claro, porque se sujeita a interpretações contraditórias. Não é tudo.
O presidente da comissão, o mesmo senador Demóstenes Torres do outro projeto, é contrário ao atual texto das cotas. Defende que os critérios sociais prevaleçam sobre os raciais: "Se o branco pobre e o negro pobre têm igual situação idêntica, por que os diferenciar? O discriminado no Brasil é o pobre". Esta, sem dúvida, é a visão mais humanitária, democrática e justa, porque o grande resgate a ser feito no Brasil é o da pobreza, que não distingue entre peles. E se os negros forem maioria na pobreza, serão os beneficiários mais numerosos no resgate, inclusive, "racial".
O problema é que o lobby dos negros é forte e ativo, e os pobres em geral não têm lobby. Mas na comissão parece haver maior tendência para a solução mais humanitária. O que pode ser um começo atrasado, mas promissor.

Em tempo
Entro em férias, com os votos de que leitores e Folha tenham o melhor proveito deste espaço.


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