São Paulo, domingo, 15 de abril de 2007

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ELIO GASPARI

Saiu a melhor biografia de Hannah Arendt


Nunca o episódio de sua cobertura do julgamento de Adolf Eichmann foi tão bem contado. O tédio lhe fez mal

ESTÁ NA PRAÇA um grande livro com a vida de uma mulher fenomenal num século de tragédias. É "Nos Passos de Hannah Arendt", de Laure Adler. Formada na elite da academia alemã dos anos 20, Arendt tornou-se uma refugiada judia em 1933, viveu na França, fugiu para Lisboa e foi para os Estados Unidos em 1941. Tinha 35 anos. Lia os clássicos enquanto vivia numa dieta de grão de bico e repolho. Em Nova York, tornou-se uma das maiores pensadoras do século 20. Era judia e anti-sionista, encantava um pedaço da esquerda e expunha o totalitarismo soviético. Sua obra é uma busca de explicações para as malvadezas humanas. (No Brasil, onde seus livros circulavam livremente, era freguesa da censura à imprensa dos anos 70.)
Adler, que trabalhou com o presidente francês François Mitterrand, mostra a alma de uma geração. A generosidade de Raymond Aron e a militância nazista, escrachada e oportunista do filósofo Martin Heidegger (paixão de Arendt). O livro modula suavemente discussões filosóficas. A excelente tradução de Tatiana Salem Levy e Marcelo Jacques assegura uma leitura sem obstáculos.
Hannah Arendt mudou o curso de sua vida em 1961, quando propôs à revista "New Yorker" que a mandasse a Jerusalém para cobrir o julgamento de Adolf Eichmann, o supervisor das deportações do Holocausto. Ele fora seqüestrado por agentes israelenses em Buenos Aires. Numa série de cinco artigos que viraram livro (com algumas alterações), ela criou uma expressão universal: "a banalidade do mal". Arendt evitou a armadilha que explicava tudo a partir da construção de um monstro: "Era difícil não desconfiar que fosse um palhaço". Além disso, foi fundo na condenação das lideranças de sua comunidade na Europa: "Para um judeu, o papel desempenhado pelos líderes judeus na destruição de seu próprio povo é, sem dúvida alguma, o capítulo mais sombrio de toda uma história de sombras".
Nunca esse pedaço da vida de Hannah Arendt foi tão bem contado. A narrativa de Adler mostra que ela foi influenciada pelo tédio que ronda os repórteres em longas coberturas. Aborreceu-se com a cidade, não teve paciência com as testemunhas, irritou-se com a gramática do promotor e largou o tribunal no meio do julgamento.
O debate provocado por "Eichmann em Jerusalém" dividiu a intelectualidade de esquerda de Nova York e apressou a migração de parte dela para a direita. Criticaram-na por ter pegado leve no réu e pesado nas vítimas.
Adler foi além dos papéis de Arendt e, em seis páginas, mexe num caso que dará tristeza ao professor Celso Lafer, aluno e devoto da pensadora. No livro, Arendt louva uma obra monumental, publicada em 1961 pelo professor Raul Hilberg, da Universidade do Vermont. Chama-se "A Destruição dos Judeus da Europa" e discute o comportamento das lideranças judaicas européias. O livro havia sido rejeitado pela Universidade Princeton e pelo Instituto Yad Vashem. Adler entrevistou Hilberg. Ele avisara: "O que vou lhe dizer de Hannah não é agradável. Você quer realmente saber?"
O professor mostrou-lhe uma carta. Em 1960, Hannah Arendt desaconselhara a publicação do trabalho pela editora de Princeton. Sustentara que era obra inútil, sobre um assunto esgotado. Hilberg já se referira ao lance em 1994, mas discutiu melhor o assunto na conversa com Adler. Arendt rejeitara o livro em 1960 e, depois que ele foi publicado, usou-o (11 citações na versão ampliada de "Eichmann em Jerusalém"), fazendo de conta que nada acontecera.
Um episódio ilustra o racionalidade e o esnobismo de Hannah Arendt. Em março de 1962, ela sofreu um acidente de trânsito no Central Park. Retiraram-na de um táxi com a cabeça ferida, seis costelas e um pulso quebrados. Enquanto esperava a ambulância, mexeu-se e concluiu que não estava paralítica. Em seguida, recitou poemas em grego e lembrou os números dos telefones de alguns amigos. O sistema continuava rodando. Fechou os olhos e aguardou o socorro em paz.

RISCO BEVILAQUA
Ao tempo em que os tucanos cantavam, espalhou-se a crença segundo a qual uma interferência do governo na ortodoxia do Banco Central dispararia uma sucessão de renúncias na sua diretoria, espalhando descrédito no mercado. Algo como os Mosqueteiros: "um por todos e todos por um". Foram-se embora do BC dois legionários dos juros altos (Afonso Bevilaqua e Rodrigo Azevedo, ex-diretor do Credit Suisse First Boston) e não aconteceu nada.
Se o comportamento do mercado reflete juízos políticos, a saída de Bevilaqua e Azevedo foi bem recebida. Quando Bevilaqua deixou o banco, o risco Brasil estava em 196. No dia seguinte, caiu para 191. Na semana passada, depois da saída de Azevedo, foi a 156. Essa fidelidade é uma fantasia do terrorismo financeiro. O mercado gosta de dinheiro, não de diretores do BC.

NA DEFESA
Até onde a vista alcança, é inútil sondar Nelson Jobim para saber se ele aceita o Ministério da Defesa.

MARCHA DA INSENSATEZ
Na hora em que o presidente resolve trabalhar todos os dias por R$ 11.239 mensais, enquanto os parlamentares querem ganhar R$ 16.250 por 16 jornadas mensais, o Congresso segue ladeira abaixo. Sonham até com prorrogação de mandatos.
Pela primeira vez na história, um presidente ampara seu poder real num partido organizado e num leque de siglas sociais mais ou menos representativas, porém indiscutivelmente mobilizadas. Do jeito que vão as coisas, Nosso Guia não precisará de uma motoniveladora para emparedar o Congresso. Bastará o barulho de motocicleta.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e tem um retrato do deputado Arlindo Chinaglia na sua sala. Ele acha que estão crucificando as boas intenções do presidente da Câmara. Chinaglia diz que sua missão é "resgatar a imagem da Câmara". Eremildo acha que ele tem toda razão em pagar o resgate cobrado pela turma da boquinha que o ajudou a se eleger.

CABEÇA DE PAPEL
Se Nosso Guia e o governador Sérgio Cabral querem brincar de soldadinho, nunca é demais repetir uma frase do general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército de 1985 a 1990: "Nós não somos treinados para colocar algemas. Quem visita um quartel não acha depósito de algemas. Acha pavilhão de tiro".

MADAME NATASHA
Madame Natasha tem horror a avião e adora o doutor Milton Zuanazzi, da Agência Nacional de Aviação Civil. Acredita que ele destruirá o tráfego aéreo. Outro dia Zuanazzi garantiu que não havia crise no pedaço. Depois, defendeu-se dizendo que "pegaram a questão semântica". (Sua ligeireza ajudou a levar um voto de ministro do Supremo para a criação da CPI do Apagão.) Em dezembro, Zuanazzi responsabilizou a imprensa por um "terrorismo gráfico e televisivo". Queixou-se de um "paradoxo ético" em "tempos díspares". Disse mais: "Quanto mais ampliamos as nossas comunicações, as redes mundiais e as liberdades que damos a elas, maiores são os pré-julgamentos e as estereotipagens". Natasha acredita que ele quis dizer o seguinte: "Quando o governo informa que o problema foi resolvido, acabou-se a conversa".


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