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ELIO GASPARI
Saiu a melhor biografia de Hannah Arendt
Nunca o episódio de sua cobertura do julgamento de Adolf Eichmann foi tão bem contado. O tédio lhe fez mal
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ESTÁ NA PRAÇA um grande livro
com a vida de uma mulher fenomenal num século de tragédias.
É "Nos Passos de Hannah Arendt", de
Laure Adler. Formada na elite da academia alemã dos anos 20, Arendt tornou-se uma refugiada judia em 1933,
viveu na França, fugiu para Lisboa e foi
para os Estados Unidos em 1941. Tinha
35 anos. Lia os clássicos enquanto vivia
numa dieta de grão de bico e repolho.
Em Nova York, tornou-se uma das
maiores pensadoras do século 20. Era
judia e anti-sionista, encantava um pedaço da esquerda e expunha o totalitarismo soviético. Sua obra é uma busca
de explicações para as malvadezas humanas. (No Brasil, onde seus livros circulavam livremente, era freguesa da
censura à imprensa dos anos 70.)
Adler, que trabalhou com o presidente francês François Mitterrand, mostra
a alma de uma geração. A generosidade
de Raymond Aron e a militância nazista, escrachada e oportunista do filósofo
Martin Heidegger (paixão de Arendt).
O livro modula suavemente discussões
filosóficas. A excelente tradução de Tatiana Salem Levy e Marcelo Jacques
assegura uma leitura sem obstáculos.
Hannah Arendt mudou o curso de
sua vida em 1961, quando propôs à revista "New Yorker" que a mandasse a
Jerusalém para cobrir o julgamento de
Adolf Eichmann, o supervisor das
deportações do Holocausto. Ele fora
seqüestrado por agentes israelenses
em Buenos Aires. Numa série de cinco
artigos que viraram livro (com algumas
alterações), ela criou uma expressão
universal: "a banalidade do mal".
Arendt evitou a armadilha que explicava tudo a partir da construção de um
monstro: "Era difícil não desconfiar
que fosse um palhaço". Além disso, foi
fundo na condenação das lideranças de
sua comunidade na Europa: "Para um
judeu, o papel desempenhado pelos líderes judeus na destruição de seu próprio povo é, sem dúvida alguma, o capítulo mais sombrio de toda uma história
de sombras".
Nunca esse pedaço da vida de Hannah Arendt foi tão bem contado. A narrativa de Adler mostra que ela foi influenciada pelo tédio que ronda os repórteres em longas coberturas. Aborreceu-se com a cidade, não teve paciência com as testemunhas, irritou-se com
a gramática do promotor e largou o tribunal no meio do julgamento.
O debate provocado por "Eichmann
em Jerusalém" dividiu a intelectualidade de esquerda de Nova York e
apressou a migração de parte dela para
a direita. Criticaram-na por ter pegado
leve no réu e pesado nas vítimas.
Adler foi além dos papéis de Arendt e,
em seis páginas, mexe num caso que
dará tristeza ao professor Celso Lafer,
aluno e devoto da pensadora. No livro,
Arendt louva uma obra monumental,
publicada em 1961 pelo professor Raul
Hilberg, da Universidade do Vermont.
Chama-se "A Destruição dos Judeus da
Europa" e discute o comportamento
das lideranças judaicas européias. O livro havia sido rejeitado pela Universidade Princeton e pelo Instituto Yad
Vashem. Adler entrevistou Hilberg. Ele
avisara: "O que vou lhe dizer de Hannah não é agradável. Você quer realmente saber?"
O professor mostrou-lhe uma carta.
Em 1960, Hannah Arendt desaconselhara a publicação do trabalho pela editora de Princeton. Sustentara que era
obra inútil, sobre um assunto esgotado.
Hilberg já se referira ao lance em 1994,
mas discutiu melhor o assunto na conversa com Adler. Arendt rejeitara o livro em 1960 e, depois que ele foi publicado, usou-o (11 citações na versão ampliada de "Eichmann em Jerusalém"),
fazendo de conta que nada acontecera.
Um episódio ilustra o racionalidade e
o esnobismo de Hannah Arendt. Em
março de 1962, ela sofreu um acidente
de trânsito no Central Park. Retiraram-na de um táxi com a cabeça ferida,
seis costelas e um pulso quebrados. Enquanto esperava a ambulância, mexeu-se e concluiu que não estava paralítica.
Em seguida, recitou poemas em grego e
lembrou os números dos telefones de
alguns amigos. O sistema continuava
rodando. Fechou os olhos e aguardou o
socorro em paz.
RISCO BEVILAQUA
Ao tempo em que os tucanos
cantavam, espalhou-se a crença
segundo a qual uma interferência do governo na ortodoxia do
Banco Central dispararia uma
sucessão de renúncias na sua diretoria, espalhando descrédito
no mercado. Algo como os Mosqueteiros: "um por todos e todos
por um". Foram-se embora do
BC dois legionários dos juros altos (Afonso Bevilaqua e Rodrigo
Azevedo, ex-diretor do Credit
Suisse First Boston) e não aconteceu nada.
Se o comportamento do mercado reflete juízos políticos, a
saída de Bevilaqua e Azevedo foi
bem recebida. Quando Bevilaqua deixou o banco, o risco Brasil estava em 196. No dia seguinte, caiu para 191. Na semana passada, depois da saída de Azevedo, foi a 156. Essa fidelidade é
uma fantasia do terrorismo financeiro. O mercado gosta de
dinheiro, não de diretores do
BC.
NA DEFESA
Até onde a vista alcança, é
inútil sondar Nelson Jobim para saber se ele aceita o Ministério da Defesa.
MARCHA DA INSENSATEZ
Na hora em que o presidente
resolve trabalhar todos os dias
por R$ 11.239 mensais, enquanto os parlamentares querem ganhar R$ 16.250 por 16 jornadas
mensais, o Congresso segue ladeira abaixo. Sonham até com
prorrogação de mandatos.
Pela primeira vez na história,
um presidente ampara seu poder real num partido organizado e num leque de siglas sociais
mais ou menos representativas,
porém indiscutivelmente mobilizadas. Do jeito que vão as
coisas, Nosso Guia não precisará de uma motoniveladora para
emparedar o Congresso. Bastará o barulho de motocicleta.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e tem
um retrato do deputado Arlindo Chinaglia na sua sala. Ele
acha que estão crucificando as
boas intenções do presidente
da Câmara. Chinaglia diz que
sua missão é "resgatar a imagem da Câmara". Eremildo
acha que ele tem toda razão em
pagar o resgate cobrado pela
turma da boquinha que o ajudou a se eleger.
CABEÇA DE PAPEL
Se Nosso Guia e o governador
Sérgio Cabral querem brincar
de soldadinho, nunca é demais
repetir uma frase do general
Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército de 1985 a
1990: "Nós não somos treinados para colocar algemas.
Quem visita um quartel não
acha depósito de algemas. Acha
pavilhão de tiro".
MADAME NATASHA
Madame Natasha tem horror
a avião e adora o doutor Milton
Zuanazzi, da Agência Nacional
de Aviação Civil. Acredita que
ele destruirá o tráfego aéreo.
Outro dia Zuanazzi garantiu
que não havia crise no pedaço.
Depois, defendeu-se dizendo
que "pegaram a questão semântica". (Sua ligeireza ajudou
a levar um voto de ministro do
Supremo para a criação da CPI
do Apagão.) Em dezembro,
Zuanazzi responsabilizou a imprensa por um "terrorismo gráfico e televisivo". Queixou-se
de um "paradoxo ético" em
"tempos díspares". Disse mais:
"Quanto mais ampliamos as
nossas comunicações, as redes
mundiais e as liberdades que
damos a elas, maiores são os
pré-julgamentos e as estereotipagens". Natasha acredita que
ele quis dizer o seguinte:
"Quando o governo informa
que o problema foi resolvido,
acabou-se a conversa".
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