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JANIO DE FREITAS
A reviravolta
A recomendação de compra de títulos e ações brasileiros, passadas apenas duas semanas desde que os mesmos
bancos recomendaram aos
clientes sustarem tais investimentos, tem um sentido que excede aspectos econômicos e alcança o interesse dos eleitores.
A liderança das pesquisas por
Luiz Inácio Lula da Silva foi a
explicação adotada, sobretudo
por jornalistas brasileiros, para a
recomendação negativa e inicial. A explicação dos jornalistas
foi ampliada, para justificar a
progressiva queda da Bolsa e o
aumento do dólar, com o argumento de que os boatos em torno
de novas pesquisas, mais favoráveis a Lula e ainda menos a Serra, acentuavam o movimento
dos investidores na direção dada
por certos bancos.
Pois bem, desde o final da semana passava, quando era esperado um Datafolha para domingo (adiado), e sobretudo na segunda-feira, quando deveria
sair o Ibope (não divulgado) e
estava muito falado o Vox Populi anunciado para ontem ou hoje. Toda a boataria, em torno do
que as pesquisas supostamente
apuravam, acrescentava ganhos
a Lula e tornava mais difícil a situação de Serra, por perda e pela
aproximação de Anthony Garotinho e Ciro Gomes.
Foi, porém, no auge dessa boataria que, pelo argumento dos
jornais, das tevês e rádios que tocam notícia, deveria fazer títulos, ações e recomendações desabarem, foi justamente aí que os
bancos voltaram a recomendações favoráveis.
Os bancos que depreciaram o
Brasil deixaram claro, com a reviravolta, que estavam explorando especulativamente um
país de trouxas, indefeso, no
qual o ministro da Fazenda e o
presidente do Banco Central só
falaram para engrossar a alegação, agora desmentida, de que
um candidato e as pesquisas se
mostravam ameaçadores. Ficou
claro que aqueles bancos, puxados pelo Merryll Lynch e pelo
Morgan Stanley, jogaram títulos
e ações brasileiros nas profundezas e agora, carteiras cheias do
que pôde ser comprado na baixa, voltam a elevá-los. Não por
acaso, Merrill Lynch e Morgan
Stanley são, também, os que voltaram a recomendar a compra,
o que provoca a alta lucrativa
para quem adquiriu a papelada
na baixa.
Três ou quatro horas antes de
aqueles bancos adotarem a ótica
positiva, o presidente do Banco
Central, Armínio Fraga, fazia na
TV-Globo sua adesão ao que os
bancos da especulação internacional logo renegariam. Um vexame a mais, que o Banco Central, já surpreendido em outros
lobbismos, não precisava exibir
tanto.
Os fatos
Em uma nota, dia 3, sobre fala
de Fernando Henrique Cardoso
em rede nacional, inclui este trecho: "Fernando Henrique atribuiu os remédios genéricos ao
seu governo. Foram criados
quando Itamar Franco era presidente e o médico e senador Jamil
Haddad era o ministro da Saúde.
Quase sete anos depois, 1999, o
governo de Fernando Henrique
ainda tratava de adiar pela segunda vez a aplicação da lei dos
genéricos, indesejada pelos laboratórios estrangeiros".
Em carta ontem publicada pela
Folha, o diretor-presidente da
Agência Nacional de Vigilância
Sanitária, Gonzalo Vecina Neto,
não nega explicitamente a nota.
Mas o faz atribuindo à regulamentação da lei 9789, em agosto
de 99, a responsabilidade pelos
genéricos. Os fatos foram outros.
A Organização Mundial de
Saúde-OMS pediu, em 1991, um
empenho especial pela adoção
de genéricos no Brasil. Integrante da Comissão de Saúde da Câmara, o médico e excelente deputado Eduardo Jorge, hoje secretário municipal de Saúde em
S.Paulo, apresentou um projeto
de lei a respeito.
Um exato ano depois, outro
excelente parlamentar e também
médico, Jamil Haddad, foi nomeado ministro da Saúde pelo
recém empossado presidente
Itamar Franco. Com os genéricos como objetivo, o novo ministro obteve da assessoria jurídica a indicação de que poderia
lançá-los só com um decreto,
sem esperar pela lei. Presente a
uma reunião da OMS em Genebra, lá recebeu novo documento
reiterando o pedido de empenho
pelos genéricos, o que levou à
idéia de reunir, em Brasília, representantes de oito países com
experiência no assunto, para nele introduzir os brasileiros.
Em 4 de abril de 93 foi emitido,
com as assinaturas de Itamar
Franco e Jamil Haddad, o decreto 793 criando no Brasil os remédios genéricos.
Os fatos não confirmam, também, que a produção de genéricos só começou a partir de agosto de 99. Pouco depois do decreto, já o laboratório alemão Knoll
criava uma subsidiária para produzir genéricos, seguido por outros laboratórios. Só para um
exemplo: o genérico gerapamila
surgiu àquela altura, 37% mais
barato do que o remédio com o
nome de Dilacoron).
O projeto do deputado Eduardo Jorge tardou o que é habitual
no Congresso para os assuntos
sérios: apresentado em 91, só foi
aprovado em 99. Trazia dois
itens inexistentes no decreto: as
substâncias teriam que passar
por testes de eficácia de equivalência e os genéricos anteriores
passariam a chamar-se "similares".
Quanto à referência ao adiamento que, ainda em 99, o governo Fernando Henrique tentava, é suficiente reproduzir a
manchete do caderno Cotidiano
da Folha em 21 de outubro de 99,
em duas linhas na extensão total
da página: "Governo deve adiar
pela segunda vez / a implantação
da lei dos genéricos".
A reposição dos fatos não desmereceu antes, nem o faz agora,
o que cabe a José Serra: o mérito
de decidir-se, afinal, a lutar pelos
genéricos e fazê-lo com êxito.
Tanto inexiste desmerecimento,
como intenção ou como resultado, que o próprio José Serra, falando no meio debate de quinta-feira passada na Confederação
Nacional a Indústria, declarou,
por iniciativa própria, a primazia
de Jamil Haddad na criação dos
genéricos.
A cada um, o que é seu.
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