São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

A reviravolta

A recomendação de compra de títulos e ações brasileiros, passadas apenas duas semanas desde que os mesmos bancos recomendaram aos clientes sustarem tais investimentos, tem um sentido que excede aspectos econômicos e alcança o interesse dos eleitores.
A liderança das pesquisas por Luiz Inácio Lula da Silva foi a explicação adotada, sobretudo por jornalistas brasileiros, para a recomendação negativa e inicial. A explicação dos jornalistas foi ampliada, para justificar a progressiva queda da Bolsa e o aumento do dólar, com o argumento de que os boatos em torno de novas pesquisas, mais favoráveis a Lula e ainda menos a Serra, acentuavam o movimento dos investidores na direção dada por certos bancos.
Pois bem, desde o final da semana passava, quando era esperado um Datafolha para domingo (adiado), e sobretudo na segunda-feira, quando deveria sair o Ibope (não divulgado) e estava muito falado o Vox Populi anunciado para ontem ou hoje. Toda a boataria, em torno do que as pesquisas supostamente apuravam, acrescentava ganhos a Lula e tornava mais difícil a situação de Serra, por perda e pela aproximação de Anthony Garotinho e Ciro Gomes.
Foi, porém, no auge dessa boataria que, pelo argumento dos jornais, das tevês e rádios que tocam notícia, deveria fazer títulos, ações e recomendações desabarem, foi justamente aí que os bancos voltaram a recomendações favoráveis.
Os bancos que depreciaram o Brasil deixaram claro, com a reviravolta, que estavam explorando especulativamente um país de trouxas, indefeso, no qual o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central só falaram para engrossar a alegação, agora desmentida, de que um candidato e as pesquisas se mostravam ameaçadores. Ficou claro que aqueles bancos, puxados pelo Merryll Lynch e pelo Morgan Stanley, jogaram títulos e ações brasileiros nas profundezas e agora, carteiras cheias do que pôde ser comprado na baixa, voltam a elevá-los. Não por acaso, Merrill Lynch e Morgan Stanley são, também, os que voltaram a recomendar a compra, o que provoca a alta lucrativa para quem adquiriu a papelada na baixa.
Três ou quatro horas antes de aqueles bancos adotarem a ótica positiva, o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, fazia na TV-Globo sua adesão ao que os bancos da especulação internacional logo renegariam. Um vexame a mais, que o Banco Central, já surpreendido em outros lobbismos, não precisava exibir tanto.

Os fatos
Em uma nota, dia 3, sobre fala de Fernando Henrique Cardoso em rede nacional, inclui este trecho: "Fernando Henrique atribuiu os remédios genéricos ao seu governo. Foram criados quando Itamar Franco era presidente e o médico e senador Jamil Haddad era o ministro da Saúde. Quase sete anos depois, 1999, o governo de Fernando Henrique ainda tratava de adiar pela segunda vez a aplicação da lei dos genéricos, indesejada pelos laboratórios estrangeiros".
Em carta ontem publicada pela Folha, o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Gonzalo Vecina Neto, não nega explicitamente a nota. Mas o faz atribuindo à regulamentação da lei 9789, em agosto de 99, a responsabilidade pelos genéricos. Os fatos foram outros.
A Organização Mundial de Saúde-OMS pediu, em 1991, um empenho especial pela adoção de genéricos no Brasil. Integrante da Comissão de Saúde da Câmara, o médico e excelente deputado Eduardo Jorge, hoje secretário municipal de Saúde em S.Paulo, apresentou um projeto de lei a respeito.
Um exato ano depois, outro excelente parlamentar e também médico, Jamil Haddad, foi nomeado ministro da Saúde pelo recém empossado presidente Itamar Franco. Com os genéricos como objetivo, o novo ministro obteve da assessoria jurídica a indicação de que poderia lançá-los só com um decreto, sem esperar pela lei. Presente a uma reunião da OMS em Genebra, lá recebeu novo documento reiterando o pedido de empenho pelos genéricos, o que levou à idéia de reunir, em Brasília, representantes de oito países com experiência no assunto, para nele introduzir os brasileiros.
Em 4 de abril de 93 foi emitido, com as assinaturas de Itamar Franco e Jamil Haddad, o decreto 793 criando no Brasil os remédios genéricos.
Os fatos não confirmam, também, que a produção de genéricos só começou a partir de agosto de 99. Pouco depois do decreto, já o laboratório alemão Knoll criava uma subsidiária para produzir genéricos, seguido por outros laboratórios. Só para um exemplo: o genérico gerapamila surgiu àquela altura, 37% mais barato do que o remédio com o nome de Dilacoron).
O projeto do deputado Eduardo Jorge tardou o que é habitual no Congresso para os assuntos sérios: apresentado em 91, só foi aprovado em 99. Trazia dois itens inexistentes no decreto: as substâncias teriam que passar por testes de eficácia de equivalência e os genéricos anteriores passariam a chamar-se "similares".
Quanto à referência ao adiamento que, ainda em 99, o governo Fernando Henrique tentava, é suficiente reproduzir a manchete do caderno Cotidiano da Folha em 21 de outubro de 99, em duas linhas na extensão total da página: "Governo deve adiar pela segunda vez / a implantação da lei dos genéricos".
A reposição dos fatos não desmereceu antes, nem o faz agora, o que cabe a José Serra: o mérito de decidir-se, afinal, a lutar pelos genéricos e fazê-lo com êxito. Tanto inexiste desmerecimento, como intenção ou como resultado, que o próprio José Serra, falando no meio debate de quinta-feira passada na Confederação Nacional a Indústria, declarou, por iniciativa própria, a primazia de Jamil Haddad na criação dos genéricos.
A cada um, o que é seu.


Texto Anterior: Congresso: Senadores pefelistas vão ajudar a reduzir prazo para votar a CPMF
Próximo Texto: Governo: Marco Aurélio assume hoje no lugar de FHC
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.