São Paulo, segunda-feira, 15 de julho de 2002

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ENTREVISTA DA 2ª

Cantidiano vai propor lei para coibir manobras com pesquisas

Presidente da CVM quer o fim da especulação eleitoral

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

O novo presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), Luís Leonardo Cantidiano, 53, quer que as instituições financeiras que encomendam pesquisas eleitorais sejam impedidas de atuar no mercado entre o momento que a pesquisa fica pronta e sua divulgação para o público.
Cantidiano, que toma posse hoje na CVM, afirma que não há irregularidade no fato de empresas contratarem pesquisas para uso próprio ou para divulgação. "O problema surge se a instituição, vendo que a pesquisa pode influenciar as cotações, usa as informações em proveito próprio antes de divulgar o resultado para o público", afirmou.
Ele assume o cargo no momento em que a CVM apura suspeita de uso de pesquisas eleitorais para especulação no mercado futuro de dólar. Quatro bancos, segundo informações não oficiais, estariam sendo investigados.
Em entrevista exclusiva à Folha, Cantidiano antecipou que vai propor a liberação de parte do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para a compra de ações em Bolsa, como forma de estimular o crescimento de empresas e mercado de capitais.
Ele defende a liberação de 15% do recolhimento mensal para o FGTS (apenas sobre os recolhimentos futuros e não sobre o saldo já existente) para a compra de ações, mas adverte que a adesão deve ser voluntária.
Cantidiano é o 15º presidente em 25 anos de existência da CVM, mas é o primeiro com mandato fixo de cinco anos, conforme determina a nova Lei das Sociedades Anônimas.
Advogado, formado pela antiga Universidade do Estado da Guanabara (atual UERJ), ele teve uma curta passagem pela CVM no governo Collor, tendo sido diretor de março de 1990 a fevereiro de 91. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Luís Leonardo Cantidiano - Quando saí, em fevereiro de 91, prometi a mim mesmo não voltar, mas fui convencido de que posso contribuir para o avanço do mercado e acho que este é o momento da virada. O partido que ganhar a eleição, não importa qual, vai ter de fazer o país crescer.

Folha - Se o PT ganhar, nada muda para a CVM?
Cantidiano -
Em princípio, não, pois ela tem independência, e eu tenho que cumprir a lei. Um partido pode dar mais ênfase ao crescimento do mercado do que outro, mas acredito que todos querem buscar o crescimento e a geração de emprego e, para isso, precisam do mercado.

Folha - A CVM está investigando o uso de pesquisas eleitorais para manipulação de negócios em Bolsa. Como o sr. tratará o assunto?
Cantidiano -
Não há como impedir que empresas contratem pesquisas de intenção de voto para consumo próprio ou para divulgação, nem há irregularidade nisso. O problema surge se a instituição, ao ver que a pesquisa pode influenciar o mercado, usa a informação privilegiada em proveito próprio, antes de divulgar o resultado para o público.
O que se tem de impedir é que a instituição opere no mercado enquanto a pesquisa não for divulgada. Não sei se é possível regular esse assunto, mas vou propor a discussão o mais rápido possível.

Folha - O senhor já escolheu sua diretoria na CVM?
Cantidiano
Os três diretores atuais serão mantidos. Para o quarto cargo de diretor, que está vago, penso escolher um contador ou um operador de mercado, que nos ajude a pensar novos produtos para desenvolver o mercado de ações.

Folha - Depois dos escândalos das fraudes em empresas norte-americanas, a fiscalização contábil é a sua maior preocupação?
Cantidiano -
Curiosamente, os problemas que estão acontecendo nos EUA não nos ameaçam muito. Os problemas que tivemos por aqui foram de alteração de balanços para esconder prejuízo. Lá, foi o contrário. As empresas inflaram seus resultados para atrair os investidores. Além disso, as empresas de tecnologia remuneram seus executivos com opção de compra de ações e eles inflaram os balanços para valorizar as ações.

O que as empresas fizeram nos EUA seria considerado ilegal no Brasil? Não acontece coisa pior aqui?
Cantidiano -
Os executivos norte-americanos avançaram o sinal ao contabilizar despesas como investimentos e ao usar sociedades de propósitos específicos para esconder passivos, mas estavam dentro da lei.
No Brasil, os diretores das companhias abertas assinam os balanços, os auditores são proibidos de prestar outros serviços às empresas que auditam [para evitar conflitos de interesse" e não podem ficar mais do que cinco anos com uma empresa. Os norte-americanos só estão tomando essas providências agora.

Folha - Qual é sua prioridade: desenvolver o mercado ou aumentar o controle?
Cantidiano -
Minha prioridade é desenvolver o mercado. Não adianta ser rigoroso, se não houver mercado. O que importa é fazer com que a Bolsa seja uma fonte de capital para as empresas, que financie o crescimento do país, atraia novos investidores e que as pessoas participem da riqueza nacional por meio dos dividendos.

Folha - Como o senhor espera chegar a esse objetivo?
Cantidiano -
Acho que a CVM deve buscar formas de popularizar o mercado e atrair não só a classe média, mas todos os trabalhadores. Vou propor que 15% do Fundo e Garantia do Tempo de Serviço possam ser usados para investimento em Bolsa. O investimento seria voluntário e o percentual se aplicaria apenas sobre as novas contribuições e não sobre o saldo existente.

Folha - A classe média foi em peso para as Bolsas nos anos 70 e perdeu muito dinheiro. Que garantias o trabalhador teria agora?
Cantidiano -
O dinheiro do FGTS só poderia ser usado para comprar títulos de empresas que fazem parte do chamado Novo Mercado, criado pela Bovespa, em que todas as ações preferenciais têm direito a voto nas grandes questões fundamentais da empresa, como aumento de capital, fusões, incorporação, mudança de direitos. As empresas que optam por esse mercado têm mais transparência, seguem regras de contabilidade internacionais e elegem novos membros do conselho a cada ano.

Folha - O senhor acha que há interesse do trabalhador em investir em ações?
Cantidiano -
O sucesso na utilização do FGTS para a compra de ações da Vale do Rio Doce e da Petrobras me faz crer que sim. As ações ficariam bloqueadas, como se o dinheiro continuasse depositado no fundo. Para estimular a participação, penso que o trabalhador poderia mudar de posição acionária e sacar a parte dos dividendos que ultrapassasse a taxa de rentabilidade do FGTS (3% ao ano).

Folha - O senhor foi diretor da CVM no início dos anos 90. Que avaliação o senhor faz dela hoje?
Cantidiano -
Há deficiência de pessoal, mas, nesta semana, estão chegando 24 novos advogados, que vão triplicar o quadro atual. A CVM tem ainda autorização para contratar 93 pessoas no ano que vem. Mas é preciso motivar a casa, incentivar as pessoas a fazer cursos de treinamento e aperfeiçoamento. Quando fui diretor, a CVM não tinha sequer computador. Hoje, todos os funcionários têm terminal próprio.

Folha - O senhor pretende ser o "xerife" do mercado?
Cantidiano -
O mercado tem de ter liberdade e responsabilidade. Quero estar conversando com as pessoas do mercado. A CVM precisa ser muito rígida no exercício do poder de polícia, para não cair em descrédito. Quem errar, tem de ser exemplarmente punido.


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