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ELIO GASPARI
De ítalo.zappa@org para Lula
Caro Lula,
Cuidado, estão querendo
fritar o Celso Amorim. Quem?
Sei, mas não posso dizer. Digo-lhe o que eu dizia quando estava por aí: muita gente que mete
a colher na política externa brasileira devia passar todas as manhãs pela embaixada americana, para cumprir um pequeno
expediente. Não é justo que eles
ocupem espaço em nossas repartições públicas para defender os
interesses dos Estados Unidos.
Eu sei do que falo. Servi ao Itamaraty por 45 anos, 20 como
embaixador, sempre em países
onde os supermercados não
vendiam desodorante. Amarguei alguns desconfortos em
Havana, Pequim, Maputo e Ho
Chi Minh (ex-Saigon), mas
também não tive que aturar as
peruas que vão a museu de salto
alto e os chatos que saem de mocassins na neve.
Lula, estão querendo fritar o
Celso Amorim por um só motivo: ele defende aquilo que julga
ser o interesse brasileiro. Espera-se tudo do Itamaraty, menos isso.
Em 1975 o Brasil tomou uma
posição própria na construção
das nações africanas que emergiam do colapso do império português. A CIA trabalhou para tirar o embaixador Ovídio de Mello de Luanda. Ele foi parar na
Tailândia e amargou 90 preterições. (O Ovídio está aí, mora no
Leblon. Quem sabe, valeria a
pena pedir-lhe para contar como funciona a frigideira onde
tostam-se os interesses nacionais.) Tinha gente que dizia o
seguinte: o Brasil está ajudando
a facção angolana que dará bases navais aos russos para atacar o litoral brasileiro. Passou o
tempo, e o professor Henry Kissinger, a cujo serviço estavam os
sicários nacionais, reconheceu
em suas Memórias que fez bobagem em Angola. Escreveu um
dos maiores elogios já feitos à
diplomacia brasileira.
Desde que cheguei aqui, em
1997, andei procurando pelo
George Humphrey. Hoje ninguém se lembra dele. Foi o secretário do Tesouro dos Estados
Unidos de 1953 a 1957. Fez carreira e fortuna na Hanna, uma
das maiores mineradoras do
país. Corria uma história a respeito dele. Uma história que
tem muito a ver com as negociações de hoje. É a seguinte:
Em 1953, quando o governo de
Getúlio Vargas buscava financiamentos nos Estados Unidos,
o Departamento do Tesouro dizia que era necessário que o
Brasil fizesse o dever de casa,
pusesse a casa em ordem. Até aí,
nada de novo, pois passaram-se
50 anos e a conversa é a mesma.
Eu queria saber do Humphrey
se ele realmente tinha dito, durante uma reunião, que o governo dos Estados Unidos não tinha nada que ajudar o desenvolvimento de economias que
poderiam vir a competir com a
sua.
Outro dia me encontrei com
ele e perguntei-lhe se a tal história era verdadeira. (Aqui não se
pode mentir. Já basta o que se
mentiu por aí.) O Humphrey
confirmou. Ele disse exatamente o que eu tinha ouvido. Achava impróprio incentivar a existência de uma industria brasileira que pudesse competir com
a americana. Produzir automóveis, por exemplo, nem pensar.
Puxou a agenda e mostrou-me
a data: 2 de outubro de 1953,
numa reunião onde estava um
diplomata chamado Edward
Cole.
Fomos dar uma volta e ele
lembrava da pressão para que
se trocasse o financiamento
americano pelo abandono do
monopólio estatal de petróleo.
Disse-me que devia procurar
uma reportagem da revista
"Fortune", de 1954, que desdenhava a criação da Petrobras.
Ela previa que, sem a tecnologia
americana, só restaria à empresa "dançar samba". Alguém disse ao Humphrey que a Petrobras faliu. Ele acreditou, e eu
não quis contrariá-lo. Afinal,
aqui a gente não precisa de gasolina.
Não se preocupe, Lula, daqui
a uns cem anos você estará aqui
e nós vamos juntos procurar o
Robert Zoellick para que ele nos
conte o que achava da fritura do
Celso Amorim.
Fique com o abraço do
Ítalo Zappa
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