São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

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JANIO DE FREITAS

O espanto

O espanto, dentro e fora do PT, com certas escolhas para o futuro ministério está incomodando Luiz Inácio Lula da Silva. Sua repentina afirmação de que "não haverá política deste ou daquele ministério, o que haverá será política de governo" não foge à regra das declarações de presidentes eleitos, nem responde ou atenua os espantos. Apenas confirma o incômodo.
Por mais que a escolha de três empresários integrados à campanha de José Serra se justificasse pela habilitação dos escolhidos, pelo menos dois argumentos justificam o espanto. De uma parte, há inúmeras pessoas reconhecidas pela consenso como habilitadas para os ministérios do Desenvolvimento e da Agricultura e para a presidência do Banco Central. Entre as inúmeras, muitas no empresariado têm passado e presente menos conflitantes com as idéias e aspirações que o eleitorado manifestou ao consagrar Lula. Foram preteridas.
De outra parte, a ideologia do "mercado" e os interesses por ela expressos não acabaram porque acaba o governo de Fernando Henrique Cardoso. Embora a adesão à candidatura de Serra não traduzisse, necessariamente, posição neoliberal e mercadista, por certo exprimia discordâncias importantes com as propostas de Lula, ainda mais no caso de grandes empresários. E, a menos que os escolhidos não tenham a qualidade pessoal que os escolhidos devem ter e se tornem dóceis em troca do cargo, as discordâncias terão reflexos na prática e no interior do governo.
A primeira, aliás, já insinuada, no grave tema da Área de Livre Comércio das Américas, a Alca desejada pelos Estados Unidos. Ambos antecipando-se ao governo Lula, o futuro ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, em sua primeira entrevista de confirmado defendeu a "rápida criação" da Alca, e o ministro do Desenvolvimento, também na primeira entrevista, se disse "sem preconceito" em relação ao desejo americano. Um e outro com a inexpressiva ressalva "desde que o Brasil ganhe", ou coisa que o valha, como se os Estados Unidos fizessem tamanho projeto para perder em benefício dos latino-americanos. O que importa na citação: a posição dos dois ministros reflete a sua concepção de exportadores, mas, se não mudou nos últimos dias, a visão do programa de Lula e do PT sobre a Alca é outra, para não dizer oposta mesmo.
O desconforto da cúpula petista com o espanto por algumas de suas escolhas demonstra-se, também, por José Dirceu: "Precisamos da parceria com o empresariado, porque sem ela não vamos sair da crise". Primeiro: nenhum dos espantados se manifestou contra parceria com empresários. Segundo: parceria maior que a do governo Fernando Henrique com o empresariado é impossível, e, no entanto, o PT está recebendo um país em crise, segundo Dirceu. Terceiro: o que tira um país de crise não é a presença ou a ausência de empresários no ministério, são políticas inteligentes e eficazes de governo.
O argumento final de Dirceu: "Não podemos ter um governo de um partido só ou só de esquerda, porque isso não vai ajudar o Brasil". É uma apelação sem a mínima seriedade, o que é lamentável. Exceto a senadora Heloísa Helena, que não conta muito a não ser no painel do Senado, os espantados de hoje aceitaram e entenderam sem espanto as infindáveis concessões doutrinárias e políticas do candidato e do eleito Lula. Mas têm direito e razão de achar que pragmatismo demais é perigoso: acaba passando de pragmatismo a outra coisa.
Em política e em governo são necessárias concessões. Mas quando necessárias. Como fatores de negociação. Antecipá-las é aumentar o tamanho das concessões futuras. E um jogo sem volta.


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