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DIREITOS HUMANOS
Só 198 das 909 reparações aprovadas foram pagas; presidente da Comissão de Anistia pede afastamento
Alckmin retém indenizações a torturados
RICARDO BRANDT
DA REDAÇÃO
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), pagou nos
últimos dois anos somente 198
das 909 indenizações aprovadas
para presos políticos torturados
durante o regime militar (1964-85). Em 2003, foram pagas 54 indenizações, contra 144 em 2002.
O descumprimento da lei que
determina as indenizações
(10.726/01) motivou o pedido de
afastamento do presidente da Comissão de Anistia -órgão responsável pelo julgamento dos
processos-, Belisário dos Santos
Júnior, no final do ano passado.
Membro do PSDB e ex-secretário da Justiça do governador Mário Covas (que governou o Estado
de 1995 até 2001, quando morreu
de câncer), Belisário entregou a
Alckmin, em novembro passado,
uma carta relatando sua insatisfação com o problema.
"Minha saída foi um gesto para
lembrar o governador da importância de se pagar esses anistiados. O governador não tomou
ainda a decisão de pagar todos os
torturados, senão eles teriam sido
pagos. O que prevalece é a máquina burocrática que não repassa os
recursos, que na última hora corta
verbas e que não inclui no Orçamento", afirmou à Folha.
Belisário se refere à falta de uma
rubrica específica no Orçamento
do Estado para o pagamento das
indenizações aos presos políticos,
dois anos após a regulamentação
da lei. O dinheiro para esse fim
tem saído das despesas do programa de direitos humanos, que
tem uma reserva de R$ 7,9 milhões no Orçamento de 2004.
O programa de direitos humanos, no entanto, engloba 313 compromissos, sendo que o pagamento das indenizações constitui
apenas um deles.
Falta de verbas
O secretário estadual da Justiça,
Alexandre de Moraes, afirmou
que R$ 4,1 milhões desse montante serão usados exclusivamente
para o pagamento das indenizações neste ano: "Pretendemos pagar 200 indenizações em 2004".
O secretário disse que o problema é a falta de verbas do governo
do Estado e a dificuldade de liberação jurídica dos pagamentos no
gabinete do governador.
Em 2002, porém, foram reservados R$ 5 milhões para os pagamentos das indenizações, mas foram empenhados R$ 3,5 milhões.
O restante foi usado em outras
atividades. Na avaliação de Belisário dos Santos Júnior, o problema
seria resolvido se fosse definido
um fluxo mínimo de liberação de
indenizações por mês.
"O pagamento dessas indenizações é uma determinação estabelecida por lei. Isso não é uma promessa de campanha que pode
deixar de ser cumprida", disse a
presidente do grupo Tortura
Nunca Mais, Elzira Vilela.
Dos 1.757 pedidos de indenização apresentados dentro do prazo
estipulado (fevereiro a novembro
de 2002), 1.006 foram votados pela comissão. Restam 751 para serem julgados, além dos 711 já
aprovados e não pagos.
Comissão de Anistia
A falta de vontade política do
atual governo estadual para efetuar os pagamentos e a saída do
presidente provocaram uma crise
geral na Comissão de Anistia.
Membros ouvidos pela Folha
ameaçam promover o esvaziamento do grupo, que atua voluntariamente, caso o governo não
resolva a questão. São 11 membros representantes de diversas
entidades.
O advogado Idibal Piveta, 68,
integrante da Comissão de Anistia, afirmou à Folha que, se, em 30
dias, o Estado não firmar um
compromisso para o pagamento
das indenizações, ele vai pedir seu
afastamento. "Esse é o último
apelo que faço ao governador."
Preso pelos militares em abril de
1973, Piveta foi torturado no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações-Centro de
Operações de Defesa Interna) e liberado 90 dias depois. Seu crime:
defender presos políticos.
Outros dois membros da comissão, o relator Raphael Martinelli, representante do Fórum de
Ex-Presos e Perseguidos Políticos,
e Maria Amélia Teles, representante da Comissão de Mortos e
Desaparecidos Políticos, também
criticaram o governo.
"As pessoas estão velhas e morrendo. Esse descaso representa a
perpetuação da tortura sofrida
com o regime", disse Teles.
É o caso da família Peres. Em
1975, o casal João Antonio Peres e
Affonsina Grangeiro Peres foram
presos em São Paulo, após serem
delatados por ex-companheiros
de partido. "Durante dez dias
meus avós ficaram presos e foram
torturados para que entregassem
pessoas ligadas ao movimento comunista", lembra o neto Richard
Medina, 41. Ele e a irmã Elaine
Medina, 44, são os únicos familiares vivos. "Minha avó teve a felicidade de saber que seria indenizada, mas acabou morrendo no ano
passado sem receber o dinheiro."
"O governo precisa entender
que esse dinheiro não repara os
danos causados pelas torturas
que sofremos, mas muitos estão
precisando dele por estarem velhos e com dificuldades financeiras", afirmou a enfermeira Lídia
Pratavieira Roman, 76. Seu marido, José Roman, é um dos presos
políticos desaparecidos, dado como morto. Seu corpo teria sido
esquartejado e jogado em um rio.
Sua indenização foi aprovada há
mais de um ano, mas seu pagamento ainda não foi liberado.
Legislação
A legislação estadual, criada pelo governador Mário Covas e regulamentada por Alckmin, determina que tem direito à reparação
as pessoas presas e torturadas entre os dias 31 de março de 1964 e 15
de agosto de 1979.
Pela regulamentação, todos os
ex-presos que comprovaram terem sido torturados no período e
que apresentaram os pedidos entre fevereiro e novembro de 2002
têm direito ao recebimento das
indenizações, que variam de
R$ 3.900 a R$ 39 mil.
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