São Paulo, segunda-feira, 16 de fevereiro de 2004

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DIREITOS HUMANOS

Só 198 das 909 reparações aprovadas foram pagas; presidente da Comissão de Anistia pede afastamento

Alckmin retém indenizações a torturados

RICARDO BRANDT
DA REDAÇÃO

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), pagou nos últimos dois anos somente 198 das 909 indenizações aprovadas para presos políticos torturados durante o regime militar (1964-85). Em 2003, foram pagas 54 indenizações, contra 144 em 2002.
O descumprimento da lei que determina as indenizações (10.726/01) motivou o pedido de afastamento do presidente da Comissão de Anistia -órgão responsável pelo julgamento dos processos-, Belisário dos Santos Júnior, no final do ano passado.
Membro do PSDB e ex-secretário da Justiça do governador Mário Covas (que governou o Estado de 1995 até 2001, quando morreu de câncer), Belisário entregou a Alckmin, em novembro passado, uma carta relatando sua insatisfação com o problema.
"Minha saída foi um gesto para lembrar o governador da importância de se pagar esses anistiados. O governador não tomou ainda a decisão de pagar todos os torturados, senão eles teriam sido pagos. O que prevalece é a máquina burocrática que não repassa os recursos, que na última hora corta verbas e que não inclui no Orçamento", afirmou à Folha.
Belisário se refere à falta de uma rubrica específica no Orçamento do Estado para o pagamento das indenizações aos presos políticos, dois anos após a regulamentação da lei. O dinheiro para esse fim tem saído das despesas do programa de direitos humanos, que tem uma reserva de R$ 7,9 milhões no Orçamento de 2004.
O programa de direitos humanos, no entanto, engloba 313 compromissos, sendo que o pagamento das indenizações constitui apenas um deles.

Falta de verbas
O secretário estadual da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que R$ 4,1 milhões desse montante serão usados exclusivamente para o pagamento das indenizações neste ano: "Pretendemos pagar 200 indenizações em 2004".
O secretário disse que o problema é a falta de verbas do governo do Estado e a dificuldade de liberação jurídica dos pagamentos no gabinete do governador.
Em 2002, porém, foram reservados R$ 5 milhões para os pagamentos das indenizações, mas foram empenhados R$ 3,5 milhões. O restante foi usado em outras atividades. Na avaliação de Belisário dos Santos Júnior, o problema seria resolvido se fosse definido um fluxo mínimo de liberação de indenizações por mês.
"O pagamento dessas indenizações é uma determinação estabelecida por lei. Isso não é uma promessa de campanha que pode deixar de ser cumprida", disse a presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Elzira Vilela.
Dos 1.757 pedidos de indenização apresentados dentro do prazo estipulado (fevereiro a novembro de 2002), 1.006 foram votados pela comissão. Restam 751 para serem julgados, além dos 711 já aprovados e não pagos.

Comissão de Anistia
A falta de vontade política do atual governo estadual para efetuar os pagamentos e a saída do presidente provocaram uma crise geral na Comissão de Anistia.
Membros ouvidos pela Folha ameaçam promover o esvaziamento do grupo, que atua voluntariamente, caso o governo não resolva a questão. São 11 membros representantes de diversas entidades.
O advogado Idibal Piveta, 68, integrante da Comissão de Anistia, afirmou à Folha que, se, em 30 dias, o Estado não firmar um compromisso para o pagamento das indenizações, ele vai pedir seu afastamento. "Esse é o último apelo que faço ao governador."
Preso pelos militares em abril de 1973, Piveta foi torturado no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna) e liberado 90 dias depois. Seu crime: defender presos políticos.
Outros dois membros da comissão, o relator Raphael Martinelli, representante do Fórum de Ex-Presos e Perseguidos Políticos, e Maria Amélia Teles, representante da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, também criticaram o governo.
"As pessoas estão velhas e morrendo. Esse descaso representa a perpetuação da tortura sofrida com o regime", disse Teles.
É o caso da família Peres. Em 1975, o casal João Antonio Peres e Affonsina Grangeiro Peres foram presos em São Paulo, após serem delatados por ex-companheiros de partido. "Durante dez dias meus avós ficaram presos e foram torturados para que entregassem pessoas ligadas ao movimento comunista", lembra o neto Richard Medina, 41. Ele e a irmã Elaine Medina, 44, são os únicos familiares vivos. "Minha avó teve a felicidade de saber que seria indenizada, mas acabou morrendo no ano passado sem receber o dinheiro."
"O governo precisa entender que esse dinheiro não repara os danos causados pelas torturas que sofremos, mas muitos estão precisando dele por estarem velhos e com dificuldades financeiras", afirmou a enfermeira Lídia Pratavieira Roman, 76. Seu marido, José Roman, é um dos presos políticos desaparecidos, dado como morto. Seu corpo teria sido esquartejado e jogado em um rio. Sua indenização foi aprovada há mais de um ano, mas seu pagamento ainda não foi liberado.

Legislação
A legislação estadual, criada pelo governador Mário Covas e regulamentada por Alckmin, determina que tem direito à reparação as pessoas presas e torturadas entre os dias 31 de março de 1964 e 15 de agosto de 1979.
Pela regulamentação, todos os ex-presos que comprovaram terem sido torturados no período e que apresentaram os pedidos entre fevereiro e novembro de 2002 têm direito ao recebimento das indenizações, que variam de R$ 3.900 a R$ 39 mil.



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