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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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Dificuldades na economia e lentidão nas reformas incomodam presidente

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

"Se todo dia fosse como hoje, seria ótimo ser presidente", disse Luiz Inácio Lula da Silva a um auxiliar, quando retornava a Brasília na última segunda-feira, após eventos em São Paulo, onde visitou uma porta de fábrica no ABC e deu palestra a empresários.
O desabafo de Lula revela seu desconforto com o excesso de atividades de gabinete e com a morosidade para que as promessas de campanha virem políticas públicas. A pressão da cadeira presidencial é maior do que ele imaginava encontrar, disseram à Folha amigos, parlamentares e auxiliares que andaram conversando nos últimos dias com um presidente um pouco mais impaciente, mas ainda bem-humorado.
Nas palavras de um auxiliar, Lula gosta do exercício do poder, o que facilitaria a compreensão e o enfrentamento dos problemas: "Ele gostou de ser presidente. Isso facilita. Quando a pessoa não gosta, fica difícil. Mas quando gosta, fica mais fácil. Além disso, o Lula é pró-ativo. Não fica vendo os problemas surgirem e deixando que cresçam".
O grande obstáculo é que Lula está ciente de que o bordão "vontade política", tão repetido nos tempos de oposicionista, não bastará para tirar do papel o crescimento econômico e novas políticas sociais. Na quinta-feira, teve de lidar com uma crise no programa Fome Zero, num dia de rumores sobre a permanência no cargo do ministro da Segurança Alimentar, José Graziano.
Em vez de rifar ou fritar o ministro, como desejam parte do PT e adversários de Graziano, Lula o chamou para uma conversa no início da noite, junto com outros dois participantes do Fome Zero, os assessores especiais Frei Betto e Oded Grajew. Reclamou que falavam demais e que deveriam ser mais discretos, mas reiterou apoio a Graziano e discutiu com os três medidas que serão anunciadas na próxima semana para tentar tirar seu principal programa social do noticiário negativo.

Insatisfação
Segundo um ministro, Lula constatou o óbvio: o PT gasta tempo para aprender a ser governo e para dominar a máquina pública. Isso explica a diferença de desempenho na grande política, na qual o governo avalia que vai bem, e na rotina administrativa, na qual admite patinar.
Declarações recentes de Lula desnudaram a insatisfação com a própria gestão. Na terça-feira, para uma platéia de 2.000 prefeitos, discursou: "Eu quero que vocês compreendam, porque são políticos e também tiveram o primeiro ano de mandato e sabem como é que encontraram a máquina pública deste país, que é humanamente impossível fazer as coisas com a pressa que a gente gostaria que acontecesse".
No mesmo evento, depois de repetir que não jogaria a culpa pelas dificuldades que encontrou no antecessor, Fernando Henrique Cardoso, Lula alfinetou várias vezes o ex-presidente. Reclamou do Orçamento que recebeu para 2003 e disse que, ao deixar a Presidência, não iria "morar na Lua". FHC voltou recentemente de uma temporada em Paris.
Aliás, viajar pelo Brasil será um dos remédios de Lula para enfrentar o excesso de reuniões e atividades em gabinetes fechados. Assim que chegou de São Paulo, pediu a Gilberto Carvalho, seu chefe de gabinete e espécie de ministro sem pasta, por ser conselheiro político e pessoal, que abrisse mais espaço em sua agenda para viagens. Imediatamente, foi confirmada a participação do presidente na abertura da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, marcada para meados de maio.

Corações e mentes
As dificuldades na economia, que levaram parte do PT e dos aliados a questionar a atuação do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, aborrecem Lula. Mas ele acha que não há alternativa no curto prazo e se dedicou a encontros com petistas para ganhar corações e mentes.
Com fama de chorão, Lula chegou a se emocionar quando discutia com um amigo os obstáculos para cumprir a promessa de mudança social e econômica. "Até a barba ficou mais branca. E o rosto mais marcado nesses dois meses", notou uma antiga amiga do PT que esteve com ele.
Na terça-feira, numa reunião reservada com prefeitos do PT, entre eles Marcelo Déda (Aracaju), fez questão de repetir que não pensa em alternativa à política econômica de Palocci. E falou duro: "Não existe Plano B. Vocês acham que eu ia colocar um ministro da Fazenda para ser derrubado? Se Palocci cair, caio junto".
Neste final de semana, na reunião do Diretório Nacional do PT em São Paulo, Lula tomou como prioridade a defesa de Palocci. Não foi à toa que, depois de saber de um comentário elogioso sobre ele, Palocci repassou o crédito.
O ministro da Fazenda soube que o senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL, dissera o seguinte: "Palocci é um oásis num deserto". De pronto, Palocci afirmou: "O oásis é Lula".
Coincidência ou não, Lula já começa a descolar sua imagem da do governo, exatamente o processo que aconteceu com FHC. O presidente é mais bem avaliado que sua administração, mostrou pesquisa Sensus nesta semana.


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