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ELIO GASPARI
Por favor, leia o relatório do Procurador
O relatório do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, que denunciou os 40 integrantes da quadrilha-companheira que saqueou
as arcas públicas é uma peça que
merece respeito. Todas as pessoas
que já praguejaram contra as pizzas da Câmara dos Deputados e
duvidaram do vigor das instituições nacionais devem tentar lê-lo.
É um cartapácio de 52 mil palavras, equivale a três vezes e meia
o tamanho do conto "O Alienista", de Machado de Assis. Falta-lhe o estilo da história de Simão
Bacamarte, mas não é daqueles
textos em dialeto juridiquês.
Chama o que foi "núcleo duro"
de "quadrilha" e "organização
criminosa". "Caixa dois", "dívidas de campanha" e outros eufemismos são designados pelo
que foram: "desvio de recursos
públicos, concessões de benefícios
indevidos a particulares em troca
de dinheiro e compra de apoio
político".
Quem se ofendeu com o exibicionismo de alguns parlamentares nas CPIs deve a atenção da
leitura aos servidores que agiram
longe dos holofotes. Quem se
considerou insultado pelas
manobras-companheiras, pelos
depoentes emudecidos e pelas
mentiras deslavadas, vê a história
contada como ela foi, com início,
meio e (quase) fim. Faz bem ao
cidadão.
A quadrilha é mostrada nas
suas características cinematográficas. Veja-se como o tesoureiro
do Banco Rural, José Francisco de
Almeida Rego, descrevia as "mulas" que iam buscar os mensalões
de seus chefes: "Eram pessoas
simples, que não trajavam terno,
e que se dirigiam ao depoente dizendo o seguinte: "Vim pegar uma
encomenda". Fato curioso é que,
nestes dois anos de altíssimos e
freqüentes saques, nenhum recebedor fez a conferência do numerário, sendo que apenas se limitavam a abrir uma "bolsa" e colocar
toda a quantia dentro dela".
Nelson Pereira do Santos poderia ter filmado esta cena para seu
"Boca de Ouro": "Em dado momento, uma pessoa que costumava sacar esses valores apareceu na
agência, indagando acerca "da
encomenda". Como de rotina, tirei cópia da identidade dessa pessoa. Contudo, não cheguei a comparar o nome do homem que se
apresentou com o nome que estava escrito no fax. Resultado: paguei para a pessoa errada. Esse
saque era no valor de R$ 200 mil,
razão pela qual fiquei desesperado. Em seguida, recebi uma ligação de Marcos Valério, dizendo
que a pessoa que realmente deveria ter recebido a quantia de R$
200 mil estava se dirigindo à
agência para pegar o dinheiro.
Marcos Valério disse também que
era para eu "me virar". Eu estava
arrasado e passando mal. Duas
horas depois, ele falou com o gerente, que por sua vez disse-me
para "ficar tranqüilo"."
O que teria levado Valério a se
despreocupar com um pacote de
R$ 200 mil nas mãos erradas?
Não está no relatório, mas o cidadão que foi buscar o pacote deveria ter saído com R$ 500 mil. Valério percebeu que lucrara com o
engano. Daí ter dito ao tesoureiro
para "ficar tranqüilo".
Foi esse tipo de trama que "nosso guia" desprezou, dizendo que
estava de "saco cheio" de denúncias. Afinal, segundo ele, "o que o
PT fez, do ponto de vista eleitoral,
é o que é feito no Brasil sistematicamente".
Lendo-se o relatório sente-se
uma ponta de amargura quando
se recorda que o presidente da República disse que "neste país, está
para nascer alguém que venha
querer discutir ética comigo".
A quadrilha montou um esquema de "Ocean's Eleven" ("Onze
Homens e Um Segredo") -sem
Brad Pitt-, mas estava mais para a turma do "Assalto ao Trem
Pagador" (com Tião Medonho).
Só a malandragem nacional levaria Duda (Dusseldorf) Mendonça
a operar uma conta em Miami
em nome de "Pirulito Company".
O documento do Ministério Público não é uma sentença. Ainda
há chão pela frente, mas ficou distante o dia em que se vai achar
que o mensalão foi "piada de salão" (Delúbio Soares) ou que "no
Brasil, precisamos criar também
um instrumento de pedido de
desculpas daqueles que, levianamente, acusam os outros" (Lula).
Serviço: O texto está no sítio da
Procuradoria Geral da República,
com o título "Mensalão: PGR denuncia 40 pessoas". Ao pé da notícia há a conexão que baixa o relatório. Pode-se chegar lá pelo seguinte endereço: www.pgr.mpf.
gov.br/pgr/imprensa/iw/nmp/
public.php?publ=6890.
Erosão
A base de Lula no andar de cima está em franca erosão. No
segmento das pessoas com
curso superior, ele caiu de 39%
para 27% (Datafolha) ou de
32% para 23% (CNT/Sensus).
O mesmo acontece no eleitorado com renda familiar média
de mais de dez salários mínimos. (Nada a ver com andar de
cima.) O bloco cuja renda vai
até cinco salários mínimos (R$
1.750) continua fechado com
"nosso guia" (39% no CNT/
Sensus e 42% no Datafolha).
Nesse grupo estão mais de 80%
dos eleitores. A idéia de uma
polarização política que afaste
os dois andares pode vir a ser
um fato da vida, mas não faz
bem à democracia. (O fenômeno já ocorreu no primeiro turno da última eleição para a
prefeitura de São Paulo.) Juntos, o andar de baixo e o de cima respeitam e defendem o
Estado de Direito. Afinal, ele
preside a convivência geral. Separados, os dois andares começam a acreditar que ele
atrapalha seus projetos e suas
utopias.
Registro
Diante dos acontecimentos de
quinta-feira em Sorocaba, onde chocaram-se grupos favoráveis e contrários ao governo,
é bom lembrar o que acontecia
quando a quadrilha-companheira julgava-se onipotente.
Em julho de 2003, diante do
Sindicato dos Metalúrgicos de
São Bernardo, uma tropa de
choque quebrou o nariz do
técnico judiciário Antonio
Carlos Correia. Era um manifestante do PSTU e se preparava para abrir uma faixa contra
a reforma da Previdência. Garantiam a paz do ministro Antonio Palocci, que visitava o
sindicato.
Ninguém se desculpou.
Lula muda
"Nosso guia" decidiu tratar
sua imagem. Cultiva uma discreta franja.
Holofote para a OAB
Há um movimento nas bases estaduais da OAB para
jogar a instituição numa
campanha pelo impedimento de Lula. Resta saber
se a venerável Ordem não
deveria dar prioridade à discussão do impedimento de
advogados que abalam o
crédito da profissão. Se houve uma classe legitimamente
beneficiada pela quadrilha-companheira, foi a dos advogados. A defesa da turma
já empregou uns cem. Cada
um custa ao cliente, na média, R$ 500 mil/ano.
Arquivo preservado
A implosão do companheiro Alexandre Rodrigues, designado para assumir a diretoria do Arquivo Nacional
no lugar de Jaime Antunes,
mostrou que o governo às
vezes evita o compromisso
com o erro nessa área. Ao
tempo da quadrilha-companheira, o general Jorge Armando Félix teve de tirar
uma equipe de curiosos que
fuçava os arquivos da Abin.
Comissário a bordo
Se os candidatos não aceitarem uma realidade na qual
serão cobrados toda vez que
descerem de jatinhos, a
campanha eleitoral será
transformada numa CPI
móvel. O comissário José
Dirceu, depois de voar de
São Paulo a Juiz de Fora
num Citation (fatura de uns
R$ 12 mil). Saiu-se com esta:
"Quer dizer que pobre não
pode viajar de avião?"
Acrescentou: "Deveriam
perguntar como o Alckmin
viaja, como o Garotinho está
rodando o país todo".
Verdade. O PSDB, o PMDB
e o PT deveriam botar suas
contas na internet. Como a
campanha não começou, os
caixas desses partidos devem contar de onde vem a
bala para despesas desse tamanho.
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