|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO
Estado não pode descumprir a lei
LUIZ CARLOS DOS
SANTOS GONÇALVES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Discordar da Constituição é
um direito fundamental. Descumpri-la, não. Ela é o grande
árbitro dos conflitos sociais.
Ela é que permite, em nome do
interesse público, restringir direitos individuais, inclusive a liberdade. Seu art. 14 diz que o
voto é obrigatório para os brasileiros alfabetizados, maiores de
18 e menores de 70 anos. No art.
15, suspende direitos políticos
só dos presos definitivamente
condenados. Sem esforço, conclui-se que presos provisórios
têm o direito e o dever de votar.
Resoluções do TSE que determinavam o voto "sempre
que possível" foram lidas como
autorização para que nada se fizesse. Agora que a resolução nº
23.219, de forma obrigatória,
dispôs que a Justiça Eleitoral
deve proporcionar o voto dos
presos, dificuldades logísticas e
o crime organizado são lembrados como impedimentos.
Toda concretização de um
direito fundamental traz ônus e
riscos. O Estado não pode deixar de construir escolas, creches e hospitais por temor à
ação do crime organizado que
domina algumas comunidades
pobres. Ao contrário, é lá que o
Estado deve estar presente.
O que houve foi injustificável
demora. Em fevereiro de 2009
a Procuradoria Regional Eleitoral propôs um projeto-piloto
para o voto do preso provisório.
O pleito não foi, infelizmente,
acatado pela Justiça Eleitoral.
Agora, com a resolução do TSE,
o TRE de São Paulo, de maneira
elogiável, tem adotado medidas
adequadas para que os presos
provisórios votem, desde que
estejam em estabelecimentos
nos quais isso for viável, por razões de segurança.
Supor que o crime organizado precisa do preso provisório
para conseguir "votos de cabresto" chega a ser ingênuo.
Por que iria fazê-lo com esses
eleitores que podem, a todo
tempo, ser soltos, representando um pequeno contingente de
votos? Por que fazê-lo nas seções eleitorais a serem instaladas nos presídios, "entregando", para todo mundo, quais
são os candidatos apoiados pelo
crime? Esse risco está mais fora
do que dentro dos presídios.
O Ministério Público está
atento: o crime organizado "comum" não é o único grupo de
interesses ilegais que procura
interferir no processo eleitoral.
Não cabe dar a ele mais argumentos: o Estado, que prende
quem descumpre a lei, não pode, ele mesmo, descumpri-la.
LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES é
procurador regional eleitoral de São Paulo
Texto Anterior: SP não fará eleição na maior parte das prisões provisórias Próximo Texto: Janio de Freitas: Pesquisas e não pesquisas Índice
|