São Paulo, sexta-feira, 16 de abril de 2010

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OPINIÃO

Estado não pode descumprir a lei

LUIZ CARLOS DOS
SANTOS GONÇALVES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Discordar da Constituição é um direito fundamental. Descumpri-la, não. Ela é o grande árbitro dos conflitos sociais. Ela é que permite, em nome do interesse público, restringir direitos individuais, inclusive a liberdade. Seu art. 14 diz que o voto é obrigatório para os brasileiros alfabetizados, maiores de 18 e menores de 70 anos. No art.
15, suspende direitos políticos só dos presos definitivamente condenados. Sem esforço, conclui-se que presos provisórios têm o direito e o dever de votar.
Resoluções do TSE que determinavam o voto "sempre que possível" foram lidas como autorização para que nada se fizesse. Agora que a resolução nº 23.219, de forma obrigatória, dispôs que a Justiça Eleitoral deve proporcionar o voto dos presos, dificuldades logísticas e o crime organizado são lembrados como impedimentos.
Toda concretização de um direito fundamental traz ônus e riscos. O Estado não pode deixar de construir escolas, creches e hospitais por temor à ação do crime organizado que domina algumas comunidades pobres. Ao contrário, é lá que o Estado deve estar presente.
O que houve foi injustificável demora. Em fevereiro de 2009 a Procuradoria Regional Eleitoral propôs um projeto-piloto para o voto do preso provisório. O pleito não foi, infelizmente, acatado pela Justiça Eleitoral.
Agora, com a resolução do TSE, o TRE de São Paulo, de maneira elogiável, tem adotado medidas adequadas para que os presos provisórios votem, desde que estejam em estabelecimentos nos quais isso for viável, por razões de segurança.
Supor que o crime organizado precisa do preso provisório para conseguir "votos de cabresto" chega a ser ingênuo.
Por que iria fazê-lo com esses eleitores que podem, a todo tempo, ser soltos, representando um pequeno contingente de votos? Por que fazê-lo nas seções eleitorais a serem instaladas nos presídios, "entregando", para todo mundo, quais são os candidatos apoiados pelo crime? Esse risco está mais fora do que dentro dos presídios.
O Ministério Público está atento: o crime organizado "comum" não é o único grupo de interesses ilegais que procura interferir no processo eleitoral. Não cabe dar a ele mais argumentos: o Estado, que prende quem descumpre a lei, não pode, ele mesmo, descumpri-la.


LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES é procurador regional eleitoral de São Paulo


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