São Paulo, terça-feira, 16 de maio de 2006

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JANIO DE FREITAS

Os criadores da intranqüilidade

Na vastidão de causas da situação absurda agora eclodida em São Paulo, há um fundamento comum a todas: a segurança pública em geral e, em particular, a dissolução da violência urbana organizada não têm sido prioridade dos sucessivos governos brasileiros, os federais como os estaduais. Essa inferioridade tem tantas evidências quanto a própria criminalidade violenta que, entre o pequeno assalto e o crime bárbaro, está nas nossas ruas.
O governador Cláudio Lembo não perdeu sequer um minuto para demonstrar o lugar que a tranqüilidade pública merece na mentalidade dos políticos. Tão logo recebeu do ministro Márcio Thomaz Bastos o oferecimento de colaboração federal, Lembo emitiu o que parecia um jato de soberba: "A situação está sob controle. São Paulo não precisa da Polícia Federal".
O controle era mentira temperada por cinismo. Os atos da ofensiva criminosa não só continuaram, diante do governo zonzo, como se multiplicaram em número, em extensão geográfica, em formas e, mais grave, em vítimas.
A atitude não era de soberba. Era de politiquice interesseira: ao governador do oposicionista PFL não conviria facilitar uma possibilidade de reconhecimentos positivos da população ao governo Lula. Mas que bem fez à população atemorizada de São Paulo a recusa de Cláudio Lembo a mais recursos para enfrentar o momento crítico? A redução das apreensões dos governados não teve força para se impor à estreiteza das conveniências político-partidários.
Cláudio Lembo não é original nem em relação apenas a São Paulo. Há cinco anos, Mário Covas já hospitalizado, Geraldo Alckmin e seu governo peessedebista foram desafiados pelo PCC com rebeliões em 30 presídios e ataques a dependências policiais. Logo o governador e seu secretariado divulgaram providências para prevenir novas rebeliões e proteger a polícia. Medidas simples e sem dano para os cofres gordos de São Paulo. Como a instalação de bloqueadores de celulares: várias das autoridades paulistas apontam agora os celulares em presídios como a pior arma do PCC, porque nem aquela, nem qualquer das outras medidas preventivas, foi efetivada. A proteção à tranqüilidade pública não mereceu prioridade, nem sequer foi secundária.
Na mesma ocasião e pelo mesmo motivo, o governo Fernando Henrique Cardoso anunciou medidas formidáveis contra a criminalidade organizada. Verba não menos formidável seria logo liberada para o plano definitivo. Nem saiu do papel providência alguma, nem verba alguma saiu dos cofres com tal fim. A segurança pública e o combate ao crime organizado não tinham, na concepção governamental de Fernando Henrique/ Pedro Malan, prioridade sobre a contenção de gastos acordada com o FMI.
Já em 2003, primeiro ano de mandato, novos presídios especiais estariam brotando pelo país afora, por compromisso de Lula. O Ministério da Justiça tomou as providências que lhe cabiam. Mas nem um só dos dez presídios existe ainda. O isolamento dos comandantes de rebeliões e ondas criminosas, contra a população indefesa e o próprio Estado, não teve prioridade sobre a política dos convertidos Palocci e Lula. Dependentes da autorização de Palocci, as verbas não foram liberadas. E não só as necessárias aos presídios de segurança máxima. Fernando Rodrigues mostrou, na Folha de ontem, a redução ano a ano da verba para investimento em segurança pública. Também no governo Lula, a segurança pública não tem prioridade sobre a meta aleatória de contenção de gastos.
No Rio, os governos de Anthony e de Rosinha Garotinho podem ter todos os defeitos que os opositores desejarem, mas o do descaso com a segurança pública não recai sobre ambos. Nenhum governo do Estado do Rio investiu mais em equipamento e instalações do sistema de segurança pública do que esses dois. Mas foi exatamente a segurança pública, com sua insuficiência forçada por inúmeros fatores, que serviu de pretexto para a campanha jornalística contra os dois governos e os dois Garotinhos. O reconhecimento, ao menos um, e o estímulo a investimentos e esforços contra a insegurança pública não tiveram prioridade sobre interesses políticos e empresariais, além de compromissos religiosos.
A intranquilidade pública não resulta das organizações criminosas.


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