São Paulo, domingo, 16 de julho de 2000


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Documento liga Tuma a doleiros

LUCAS FIGUEIREDO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando esteve à frente da Polícia Federal, Romeu Tuma -hoje senador e candidato do PFL à Prefeitura de São Paulo- não só teve relacionamento com doleiros, como se tornou "compadre" de um deles.
Na semana passada, a revista "IstoÉ" publicou trechos de supostas gravações de telefonemas do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto em que é mencionada a possível ligação de Tuma com um doleiro.
A Folha obteve documentos que demonstram que, quase dez anos atrás, a PF ignorou acusações e indícios da suposta ligação de um doleiro com um esquema que operava com contrabando de ouro e esmeraldas e intermediava verbas federais em Brasília.
O doleiro investigado, o libanês naturalizado brasileiro Habib Salim El Chater, era "compadre" de Tuma -à época, chefe da Polícia Federal (leia texto nesta página).
O caso está registrado em 121 páginas de documentos sigilosos da PF, da Polícia Civil de Goiás e do Ministério Público Federal. São cópias de depoimentos, laudos periciais e relatórios de investigação.

O início
Tudo começou em junho de 1990, quando Habib Salim El Chater comprou US$ 200 mil de outros dois doleiros -Joaquim Elias Mattar e Orion Saraiva Dutra. Os dólares vendidos a El Chater pertenciam originalmente a um "senador" ou a um "deputado", segundo depoimentos de envolvidos no negócio.
A operação foi realizada no estacionamento do Congresso. Os dólares foram entregues dentro de "20 pacotes embrulhados com papel timbrado da Câmara dos Deputados". Depois de fechado o negócio, El Chater descobriu que as notas eram falsas e tentou obter de volta o dinheiro utilizado para pagar os dólares. Mattar e Dutra disseram que não sabiam que o dinheiro era falso, mas se comprometeram com El Chater a trocar o dinheiro falso por US$ 200 mil verdadeiros. Mas, para isso, precisavam de tempo.
Cinco meses após ser realizada a operação com os dólares falsos, a PF entrou no caso. A versão oficial é que policiais federais encontraram, por acaso, as notas falsas na casa de Mattar quando investigavam o paradeiro de dois traficantes foragidos.
A Polícia Federal então abriu o inquérito 1.267/90 para apurar a origem dos dólares falsos. O delegado designado foi Genival Batista de Souza, que operava mais na parte burocrática e que tinha pouca experiência com investigações.
Na apuração, constatou-se que Mattar e Dutra eram ligados a outro doleiro -Orlando Rodrigues da Cunha Filho. Este, por sua vez, seria sócio do então deputado federal Sérgio Naya em negócios com dólares e contrabando de esmeraldas, segundo depoimento da garimpeira e contrabandista Jane Maria Resende.
Depoimentos dados ao delegado apontaram que o suposto sócio de Naya também operava "no ramo de assessoramento de prefeituras e empresas e na liberação de verbas federais e financiamentos". Os recursos arrecadados com o tráfico de influência seriam lavados na empresa Águia Turismo, do suposto sócio de Naya.
A contrabandista Jane chegou a confessar que vendera "12 quilos de ouro e aproximadamente cem quilates de esmeraldas" para o parceiro do então deputado federal. Ou seja, na apuração da origem dos dólares falsos comprados pelo "compadre" de Tuma, o delegado da PF Genival Batista de Souza esbarrou num esquema de contrabando de ouro e esmeraldas e de intermediação de verbas públicas. Apesar disso, o delegado não investigou os indícios de contrabando de tráfico de influência, ignorando provas, indícios e depoimentos colhidos por ele mesmo sobre esses supostos crimes.
O delegado tampouco requisitou que esses supostos crimes fossem apurados em outro inquérito. Na apuração relacionada aos dólares falsos, o delegado não perguntou aos depoentes que ouviu quem seria o parlamentar supostamente envolvido no caso.
O presidente do inquérito também não questionou a nenhum dos investigados se eles tinham relações com o então deputado Sérgio Naya. Este, por sua vez, também não foi investigado.
O "compadre" de Tuma chegou a ser indiciado, mas ficou sujeito a uma pena menor que os outros envolvidos (seis meses a dois anos de prisão e multa) por ter declarado não saber que os dólares eram falsos. Ao final do caso, ninguém foi preso.



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