São Paulo, domingo, 16 de julho de 2000


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NO PLANALTO
Conheça a última esperteza da Justiça do Trabalho

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

E m Brasília nada é tão definitivo que não comporte uma segunda interpretação. Alguém que tenha a ventura de cruzar com uma medida de aparência moralizadora deve acautelar-se.
Não convém soltar fogos de cara. Melhor abrir os olhos, levar a mão ao bolso, segurar firme a carteira e esperar. Cedo ou tarde, uma esperteza interceptará a tal medida, deformando-a. Uma esperteza como a que se relatará abaixo.
Lembra dos juízes classistas? Sim, os classistas. Aqueles que, em contatos íntimo-institucionais com Eduardo Jorge, o juiz Lalau ajudava FHC a selecionar. Pois é, o Congresso aprovou, não faz sete meses, a sentença de morte dessa gente, eis a boa medida.
Nomeados para períodos de três anos, os classistas terão a cabeça apartada do pescoço ao final dos atuais mandatos. Pôs-se fim a uma sinecura que premiava, desde 1946, apaniguados de sindicatos patronais e de empregados. Ficou estabelecido que os cargos deveriam ser extintos assim que vagassem. Deveriam...
Mas, como se sabe, é mais fácil um boi voar e FHC topar uma CPI contra os seus do que a administração pública ceifar um cargo. Assim, conservando a tradição, o TST saiu-se com uma idéia astuta.
Sapateando sobre a autoridade (?) do Congresso, o tribunal autorizou os TRTs, braços da Justiça Trabalhista nos Estados, a acomodar juízes togados nos assentos dos classistas, eis a esperteza deformadora.
No trenzinho do TST cabem 148 togas, ao custo mensal de R$ 8.910 cada. Arrancou-se da boca da viúva a perspectiva de poupar anualmente algo como R$ 171 milhões, novesfora o custo dos gabinetes dos juízes.
É preciso levar em conta que um juiz não é andorinha que faça verão sozinha. Nos TRTs, cada gabinete acomoda pelo menos dez assessores. Há casos em que o time passa de 15. Numa estimativa modesta, incluindo parentes e aderentes, está-se falando de uma legião superior a 1.500 pessoas.
A providência moralizadora, como se sabe, grita alto e saltita diante das lentes das câmeras. O cadafalso dos juízes classistas foi montado em praça pública. A condenação à guilhotina foi festejada por governistas e oposicionistas.
A esperteza, ao contrário, é muda e discreta. A boquinha dos juízes togados entrou pelo porão e subiu escadas secretas do TST. Aprovada no final de junho, conservou-se invisível.
A coisa está sendo feita no apagar das luzes da presidência de Wagner Pimenta, que se encerra no final deste mês. Uma fase marcada pela inconstância da opinião dos ministros do TST.
Em dezembro de 99, logo depois da decisão do Congresso, o tribunal baixou resolução (número 665) em que anotava: "É vedado o provimento das vagas decorrentes da extinção da representação classista pela convocação ou promoção de juízes do primeiro grau para os Tribunais Regionais".
Em 29 de junho passado, a mesma resolução ganhou número (708) e redação diferentes. O texto ficou assim: "Os cargos vagos em decorrência da extinção da representação classista nos Tribunais Regionais do Trabalho serão preenchidos nos termos da Constituição da República".
Segundo Wagner Pimenta, os ministros pensaram melhor. E concluíram que o Congresso extinguiu o mandato dos classistas, não os cargos. O senador Jefferson Peres, que relatou o projeto, discorda. Ele lembra que, debatida no Congresso, a idéia de trocar classistas por togados foi repelida.
Mas, sob Wagner Pimenta, o TST parece mesmo decidido a melhorar as estatísticas de desemprego. Além da astúcia que beneficiou juízes togados, o tribunal remeteu ao Congresso projeto de criação de 269 novas varas de conciliação. Argumenta-se que o Judiciário Trabalhista está sobrecarregado.
O governo ainda não teve tempo de estimar os custos da brincadeira. Mas, a julgar pelos comunicados que escorregam dos escaninhos oficiais nos últimos dias, ninguém há de criar problemas.
Se, por hipótese, os ministros do TST enviassem ao governo ofício pedindo verbas para contratar um grupo de mulatas para animar as sessões do tribunal, o dinheiro decerto seria liberado. "Não nos cabe interferir", diria a Fazenda. "O Judiciário é autônomo", ecoaria o Planalto. "É usual", arremataria o Planejamento.
Em telefonemas disparados nos bastidores, o ministro Aloysio Nunes Ferreira, substituto de Eduardo Jorge no Planalto, já encomenda ao TST a instalação de uma junta trabalhista num minúsculo município paulista.
As nomeações dos novos juízes togados e a sanção do projeto que cria as novas repartições dependem de FHC. Recomenda-se ao presidente que abra bem os olhos e leia os papéis antes de apor a assinatura sobre eles. Já está em Brasília o primeiro pedido de nomeação de juiz que pousará sobre sua mesa. Veio do Rio Grande do Norte.
  Mudança: antes, FHC pedia que esquecêssemos o que havia escrito. Agora, pede-nos para desconsiderar o que assinou. Nesse ritmo, acaba repetindo Figueiredo, que pediu ao povo que o esquecesse.



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