São Paulo, domingo, 16 de julho de 2000


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Democratas agora empatam com a soma dos eleitores que admitem apoiar uma ditadura com a dos indiferentes

29% não dão importância à democracia

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

Nos cinco anos da era FHC, o apoio à democracia reduziu-se a ponto de haver, agora, um empate entre os 47% que acham que a democracia é sempre o melhor regime e a soma dos que aceitam uma ditadura em certas circunstâncias (18%) e dos que pensam que tanto faz se o regime é ditatorial ou democrático (29%).
São números que emergem de pesquisa feita pelo Datafolha nos dias 19 e 20 de junho com 11.534 eleitores de todo o país.
Contrastam com o resultado da pesquisa anterior, de setembro de 1995 (FHC estava no nono mês de gestão), em que o apoio à democracia era de 50%, e a soma das alternativas não passava de 38%.
Mas não é o pior resultado, do ponto de vista dos democratas, da série histórica iniciada em setembro de 1989. Houve um momento (fevereiro de 1992) em que a resposta "democracia é sempre melhor" obtinha 42% de apoio, perdendo para a soma dos que aceitavam uma ditadura em certas circunstâncias (22%) e dos indiferentes ao tipo de regime (24%).
Era a época em que se iniciava a erosão do então presidente Fernando Collor de Mello, que desaguaria em seu afastamento.
Se se olhar a questão de uma perspectiva histórica ainda mais longa, pode-se até concluir que se trata de "um problema estrutural da própria democracia", como diz o filósofo José Arthur Giannotti. Giannotti puxa do fundo do baú trecho de texto do filósofo francês Alexis de Tocqueville para pontuar sua observação. Diz o texto: "A maioria acha que o governo age mal, mas todos acham que o governo deve agir sem parar e pôr a mão em tudo".
Tocqueville morreu em 1859, o que permite dizer que há pelo menos 150 anos as demandas da sociedade não podem ser plenamente atendidas por qualquer governo, democrático ou autoritário. No caso específico do Brasil dos últimos cinco anos, afirma Giannotti: "Não é possível imaginar que haja aparelho de Estado para pôr a mão em tudo".
O cientista político Bolívar Lamounier vai na trilha aberta por Tocqueville ao dizer que esperava resultado pior, "porque, com o tempo, as pessoas se referem ao funcionamento cotidiano da democracia, e não a seu valor intrínseco. E o funcionamento cotidiano é sempre frustrante, porque não provê solução para tudo o que causa frustração".
Outro que vê nos dados da pesquisa um "efeito da própria democracia" é o venezuelano Moisés Naim, especialista em América Latina do Instituto Carnegie para a Paz Internacional e editor da revista "Foreign Policy": "O regime democrático leva à exacerbação do debate público, o que mostra mais as manchas. Os casos de corrupção, por exemplo, não é que tenham aumentado, é que são mais expostos", diz Naim.
Outro tipo de problema estrutural é apontado por André Singer, professor do Departamento de Ciência Política da USP, e por Francisco Panizza, professor conferencista de Política Latino-Americana da London School of Economics. "A cultura política brasileira não é democrática. Não é uma cultura de participação, de comunitarismo", diz Singer.
Reforça Panizza: "O Brasil tem uma cultura democrática relativamente frágil. O que é produto de muitos fatores, tais como debilidade dos partidos políticos como formadores de identidades coletivas e os relativamente poucos anos de vigência da democracia".
O empate entre o apoio à democracia e a soma de rejeição e indiferença não significa que haja riscos para o sistema democrático. "Não sou alarmista. Não há risco para a democracia porque ela está solidamente implantada entre as elites e a classe média", diz Singer.


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