São Paulo, domingo, 16 de julho de 2000


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Para especialistas, crescimento de apoio à possibilidade de uma ditadura reflete dificuldade sociais da população

Fator econômico afeta crença no regime

DO CONSELHO EDITORIAL

Aos fatores estruturais, soma-se, para explicar a queda no apoio à democracia, aquilo que o economista Paulo Rabello de Castro (Instituto Atlântico), talvez o maior pensador liberal do país, chama de "o bolso do freguês".
Ele completa: "O índice de conforto social não melhorou". Por índice de conforto social, entenda-se o cruzamento do crescimento da renda disponível "per capita" (excluída, portanto, a parte que é apropriada pelo governo em impostos) e da variação da taxa de inflação.
Rabello de Castro acredita que o crescimento no apoio à ditadura ou da indiferença em relação à democracia "reflete o clima de insegurança pessoal".
Mas é uma expressão que ele toma em sentido amplo: "Segurança da moeda, segurança internacional, segurança pessoal, segurança em relação ao futuro".
Concorda integralmente Alan Angell, do Centro Latino-Americano da Universidade britânica de Oxford:
"As pessoas vêem pouca melhoria na segurança cotidiana, no emprego, no acesso à Justiça, em um sistema policial justo. Há um crescente ressentimento com o fato de que os benefícios da democracia são muito desigualmente distribuídos entre um setor rico, que pode optar por ficar fora das provisões do Estado, por ter saúde privada, por empregar firmas privadas de segurança etc., e o resto que tem que depender de provisões estatais inadequadas", declara Angell.

Eficácia do regime
Reforça Francisco Panizza (London School of Economics): "Em qualquer país do mundo, a democracia se legitima por seus procedimentos (eleições livres etc.), mas também por sua eficácia (o bem-estar geral). Em países de cultura democrática relativamente frágil, como o Brasil, a eficácia é ainda mais importante", observa o professor.
No Brasil, desde a volta do regime democrático, há 15 anos, "foram restauradas as liberdades políticas, mas o desenvolvimento inclusivo, a justiça social e o fim da corrupção institucionalizada são ainda temas pendentes", completa Panizza.
André Singer, professor da Universidade de São Paulo, e o ex-ministro da Fazenda (governo Sarney) e Administração (governo FHC) Luiz Carlos Bresser Pereira também tocam no tema da eficácia, no caso a econômica.
"A década (de 90) foi ruim do ponto de vista econômico. A sua primeira metade foi caracterizada pela elevada inflação. Quando ela foi vencida, vieram, após breve intervalo, o desemprego e a estagnação. Logo, as pessoas tendem a confundir democracia com situação econômica ruim", diz Singer, autor do livro "Esquerda e Direita no Eleitorado Brasileiro".
Completa Bresser: "Foram anos de mau desempenho econômico, o que deve ter refletido na pesquisa. O apoio à democracia ainda mostra um bom índice, que tende a melhorar na medida em que a economia melhorar. Agora, o país vai ter crescimento econômico, após 20 anos de estagnação", acredita o ex-ministro.

Imagem do governo
O historiador Marco Aurélio Garcia, secretário de Relações Internacionais do PT, acredita que a queda no apoio à democracia reflete não apenas a situação econômica, mas "a deterioração da imagem do governo e, de certa forma, coincide com o ambiente de mal-estar que o país vive".
Marco Aurélio acredita que, se o foco da pesquisa fosse centrado em São Paulo (cidade), o resultado teria sido ainda mais negativo, pelo maior desgaste de sua autoridade maior, o prefeito Celso Pitta (ex-PPB, atualmente no PTN).
De certa forma, a pesquisa lhe dá razão: no Estado de São Paulo, a soma dos que aceitam uma ditadura e dos que dizem tanto faz se o regime é democrático ou autoritário supera, com 49%, a porcentagem (46%) do que acham que a democracia é sempre melhor. (CLÓVIS ROSSI)


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