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ELIO GASPARI
Martin Luther não é um Burger King
O líder negro americano entrou como Pilatos no Credo do manifesto contra as cotas raciais nas universidades
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MÁ A IDÉIA a dos redatores do
manifesto contra os projetos
de Lei das Cotas e do Estatuto
da Igualdade Racial de temperá-lo com
palavras de Martin Luther King como
se elas fossem ketchup e mostarda do
Burger King.
Escreveram o seguinte:
"Nosso sonho é o de Martin Luther
King, que lutou para viver numa nação
onde as pessoas não seriam avaliadas
pela cor de sua pele, mas pela força de
seu caráter".
King disse quase isso:
"Eu tenho um sonho, no qual minhas
quatro pequenas crianças viverão num
país onde não serão julgadas pela cor de
sua pele, mas pelo seu caráter".
O discurso do sonho de King foi pronunciado em 1963, em Washington,
aos pés da estátua de Lincoln, diante de
200 mil pessoas. Suas crianças eram
negras. Em alguns Estados americanos
"pessoas de cor" não eram servidas em
lanchonetes de brancos. Não conseguiam votar. Quando conseguiam, não
achavam candidatos. Uma família negra tinha renda equivalente a pouco
mais que a metade de uma família
branca, como no Brasil de hoje.
Semanas antes, o presidente John
Kennedy tentara dissuadir a liderança
negra de convocar a manifestação, pois
ela podia levar a "uma atmosfera de intimidação". King respondeu-lhe que
jamais organizara uma coisa que não
fosse chamada de inoportuna.
A etiqueta dos manifestos e das referências recomenda que não se amarrotem frases ou conceitos de um cidadão
dentro de um contexto estranho ao seu
pensamento. É possível que King tivesse curiosidade em conhecer as idéias
do comissário Tarso Genro e do professor Peter Fry, sobre "cotas sociais".
Mesmo assim, exageraram ao colocá-lo
num discurso onde se diz que "políticas
dirigidas a grupos "raciais" estanques
em nome da justiça social não eliminam o racismo e podem até mesmo
produzir o efeito contrário, dando respaldo legal ao conceito de raça, e possibilitando o acirramento do conflito e da
intolerância".
King estava noutra. Defendia a criação de programas sociais destinados a
indenizar os negros pelos séculos de escravidão. Ele disse o seguinte:
"Sempre que esse assunto aparece,
alguns dos nossos amigos ficam horrorizados. O negro deve ser tratado como
um igual, mas não tem que pedir mais
nada. Isso parece razoável, mas não é
realista. É óbvio que, se um homem
chega com 300 anos de atraso ao ponto
de largada de uma corrida, terá que fazer um tremendo esforço para alcançar
o outro corredor. De qualquer maneira,
não pretendo que um programa de ajuda econômica beneficie só os negros.
Ele deve beneficiar os excluídos de todas as raças".
O manifesto contra a Lei das Cotas
diz: "O argumento é conhecido: temos
um passado de escravidão que levou a
população de origem africana a níveis
de renda e condições de vida precárias.
Em decorrência disso, haveria a necessidade de políticas sociais que compensassem os que foram prejudicados no
passado, ou que herdaram situações
desvantajosas. Essas políticas se justificariam porque viriam a corrigir um mal
maior. Esta análise não é realista nem
sustentável e tememos as possíveis
conseqüências das cotas raciais."
Muito diferente do que dizia King:
"Uma sociedade que fez coisas especiais contra o negro durante centenas
de anos agora precisa fazer alguma coisa especial por ele, equipando-o para
competir numa base justa e igual".
A ligeireza que plantou um caco de
Martin Luther King no texto do manifesto poderia permitir a sua substituição (de forma desonesta) por outra citação, parecida com a argumentação do
manifesto. Por exemplo:
"Sem respeito pelo consentimento
dos cidadãos, mediadores intrometidos ameaçam provocar mudanças imediatas e revolucionárias no nosso sistema escolar. Se isso acontecer, será a
destruição do sistema público de educação em alguns Estados".
Trata-se de um trecho da proclamação de 19 senadores do Sul dos Estados
Unidos contra a decisão unânime da
Suprema Corte que detonou a segregação racial nas escolas americanas. O sonho dos redatores do manifesto, seja
qual for, não é o mesmo de King.
Novos larápios
Circula entre os desencantados da política a idéia segundo a
qual votando-se em quem nunca foi deputado federal limpa-se a Câmara. Infelizmente,
aquele plenário só limpa se os
eleitores varrerem os larápios.
De 21 deputados envolvidos
na máfia das ambulâncias, dez
estão no seu primeiro mandato. Portanto, se o critério da virgindade federal tivesse sido
aplicado à eleição passada, teria
dado em nada.
Facção Rebelo
O presidente da Câmara, Aldo Rebelo, tem gosto pela língua portuguesa. Exatamente
por isso deveria parar de se referir a embates parlamentares
como "brigas de facções". Ele
sabe a diferença entre PC do B e
PCC. Aldo sabe também que
preside uma Casa onde se chocam partidos. Se lá há bandidos, ele bem os conhece.
Compra-se usado
"Nosso guia" resolveu construir uma base parlamentar
com alianças com outros partidos. Investe pouco no PT. Como ensina Marcola, o bandido do PCC: "É mais fácil comprar
um deputado do que fazer um".
Cautela
Para ter uma idéia do prestígio das polícias estaduais, o
equipamento eletrônico cedido
pelo governo americano à PF
não pode ser compartilhado
com elas. A restrição pode ter
justificativas, mas, se "nosso
guia" bobear, um dia as agências de segurança e informações dos EUA abrem uma filial
na PF. Em 1970, um funcionário do consulado americano lia
confissões no DOI-Codi de São
Paulo. Eram papéis tão secretos que até hoje não apareceram. Foi posto para fora.
Comam bolo
Vem aí o filme "Maria Antonieta", de Sophia Coppola. Repete a maldita frase atribuída à
rainha, recomendando aos
franceses que não tinham pão
que comessem brioches.
Ela nunca disse isso. A patranha deriva de um escrito de
Jean Jacques Rousseau, de
1776, no qual ele se referiu a
uma "grande princesa".
Nessa época, Maria Antonieta tinha 11 anos e vivia em Viena. A frase teria sido dita pela
bisavó de Luís 16.
Para os registros da história
de Pindorama: de volta de Bruxelas no dia em que a bandidagem de São Paulo queimou cem
ônibus e matou oito pessoas, o
ex-governador Geraldo Alckmin, gripado, fez enorme esforço, mas chegou a tempo na festa de aniversário da mulher,
num restaurante. Comeu-se
um bolo com a forma e as cores
de bandeira brasileira.
O valor de Marx
O marxismo está em alta, para quem tem dinheiro. Um cidadão russo tinha um exemplar da terceira tiragem da primeira
edição do Manifesto Comunista, publicado por Karl Marx e
Friedrich Engels em 1848. Levou-o a leilão na casa Sotheby's
de Londres e faturou US$ 165
mil. Em 1986, um exemplar da
segunda tiragem (sem a capa)
valeu menos da metade disso.
Para que se possa fazer um
paralelo, um carta da filha de
Rasputin, o bruxo da corte czarista, saiu por US$ 4.000.
Sinal amarelo
Pelo menos dois ministros de
STF desconfiam que é melhor
liberar as investigações que associam "altos companheiros"
ao enredo que terminou no assassínio do prefeito Celso Daniel, de Santo André.
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