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Médici e Nixon planejaram derrubar Allende
Documento dos EUA revela que, em reunião com americano dois anos antes do golpe, brasileiro disse "estar trabalhando" para derrubar chileno
Relato da conversa mostra que foram tratados também temas como a instabilidade boliviana, a volta de Cuba à OEA e o Tratado de Itaipu
FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS
Em conversa com o colega
americano Richard Nixon, o
presidente Emílio Médici afirmou que "estava trabalhando"
para derrubar o governo do socialista chileno Salvador Allende, revelam documentos liberados pelo Departamento de
Estado dos EUA e compilados
pelo instituto de pesquisa não
governamental Arquivo Nacional de Segurança, aos quais a
Folha teve acesso.
O encontro ocorreu no Salão
Oval da Casa Branca, às 10h de
9 de dezembro de 1971. Do lado
brasileiro, só Médici estava
presente, deixando o Itamaraty
de fora. Sem falar inglês, precisou da ajuda do general Vernon
Walters, que tinha forte ligação
com o Brasil -era o adido militar americano no golpe de 1964.
O outro participante foi o assessor de Segurança Nacional e
futuro secretário de Estado
Henry Kissinger, relator do encontro, revelado quase 38 anos
depois. "É fantástico ver que
Médici tenha mantido conversas no mais alto nível sem se fazer acompanhar por ninguém",
diz o pesquisador Matias Spektor. "A Casa Branca e o Médici
acreditavam que o Itamaraty
estava tentando frustrar a visita presidencial. Os diplomatas
brasileiros não gostavam da
ideia de tanta proximidade entre os presidentes."
A visita de Médici ocorreu
num momento em que o Brasil
começava a ter uma política externa mais ativa, enquanto os
EUA, embora preocupados
com o avanço esquerdista na
América Latina, estavam atolados na Guerra do Vietnã.
Anticomunistas convictos,
os presidentes conversaram sobre ações para derrubar os regimes esquerdistas de Chile e Cuba e "evitar novos Castros e
Allendes", como define Nixon.
Médici, quase dois anos antes
do golpe de setembro de 1973
liderado pelo general Augusto
Pinochet, prevê que Allende seria derrubado "pelas mesmas
razões" que João Goulart.
A conversa também aborda a
instabilidade boliviana. Médici
diz que convenceu o ditador paraguaio Alfredo Stroessner
(1954-1989) a vender a energia
da futura usina de Itaipu aos
bolivianos, sob o argumento de
que, "se a Bolívia não fosse ajudada, sem dúvida se tornaria
comunista". O pré-acordo nunca foi levado adiante.
Em outro momento, eles
mostram preocupação com as
gestões do Peru para a volta de
Cuba à OEA (Organização dos
Estados Americanos). É quando ocorre a única intervenção
de Walters, que diz que o presidente esquerdista peruano,
Juan Velasco Alvarado (1968-1975) tinha um filho com uma
ex-miss "muito de esquerda em
suas opiniões e associações políticas" e que isso lhe seria um
problema caso saísse a público.
Para continuar falando sobre
esses temas, Nixon propõe a
criação de um "canal" de comunicação fora dos meios diplomáticos e diz que seu homem
de confiança seria Kissinger.
Médici concorda e diz que
confiava no seu chanceler, Mário Gibson Barbosa, que tinha
um "arquivo especial em que
todos os itens eram manuscritos (...) de forma que nem os datilógrafos tinham conhecimento deles".
Na avaliação do ex-embaixador do Brasil nos EUA Roberto
Abdenur, a conversa "não chega a ser uma surpresa". "O que
os dois fizeram foi selar, no
mais alto nível político, e em
termos de organizada colaboração, algo em que ambos os lados já de há muito se vinham
empenhando."
Leia documentos da visita
www.nsarchive.org
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