São Paulo, domingo, 17 de março de 2002

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OMBUDSMAN

Musculatura fria

BERNARDO AJZENBERG

A ação da Polícia Federal na empresa Lunus, no primeiro dia do mês, pegou o mundo político e a imprensa no contrapé.
Se a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de verticalizar as coligações causara rebuliço, a operação policial virou o quadro sucessório de pernas para o ar.
Surpresas ocorrem. A questão é como reagir a elas. E nesse aspecto a Folha mostrou que ainda estava fria. Demorou para usar os instrumentos com os quais costuma se sair bem em momentos de crise aguda.
Somente ontem, 15 dias após a eclosão da reviravolta, o jornal produziu algo que facilitasse a vida do leitor, permitindo-lhe visualizar em conjunto, amarrando-as num quadro mais completo ("arte", no jargão da Redação), as ramificações da Lunus.
Desde 5 de março houve 14 "artes" diversas, todas no entanto parciais, e muitas repetitivas. Não se trata só de vontade editorial, mas de lerdeza para se mexer e compreender os eventos como um todo.
São três as facetas do caso: a profundidade da crise política; o envolvimento do PSDB na ação da PF; a apuração de irregularidades da Lunus. O desafio é desvendar cada uma delas e, ao mesmo tempo, reuni-las.
Politicamente, apesar da demora, a Folha mostrou o principal: desenhava-se uma cisão séria no governo entre PSDB e PFL.
Por outro lado, não integrou o coral da mídia (destaque para "Veja", "Época" e TV Globo) que promoveu o massacre da governadora do MA. Leitores até se queixaram nos primeiros dias de um suposto biombo que ela teria erguido para proteger a filha de um colunista seu (José Sarney).
Essa diferenciação, porém, não resultou apenas de uma posição de cautela, mas sim, também, de uma deficiência. E aqui entram as outras faces do caso, ambas implicando difícil investigação jornalística.

Interrogações
Aqui a Folha marcou pontos, mas oscilou mais do que se estivesse com o corpo aquecido.
No dia 6, por exemplo, divulgou denúncia de Sarney de que um fax fora enviado da Lunus pelos agentes da PF ao Alvorada informando o "sucesso" da ação.
O tal fax é detalhe e pode ter sido um blefe, mas a verdade é que ele, após desmentido de FHC, sumiu do noticiário sem elucidação cabal. Sarney teria mentido?
Mais: o jornal ainda não mostrou se a ação da PF teve, afinal, respaldo legal. E pelo menos até ontem mal avançara quanto à suposta mão serrista no "dossiê" anti-Roseana.
Os gols mais importantes marcados até ontem: a descoberta de que o diretor-geral da PF é filiado ao PSDB e a revelação do contrato entre a Saúde e uma empresa de contra-espionagem.
E o célebre R$ 1,34 milhão em espécie, ponto-chave na apuração de irregularidades apontadas contra Roseana/Murad? A Folha deu dia 8 a fulminante imagem das notas, mas patinou quanto à sua origem. Após ventilar várias versões, pareceu se contentar com a de Murad (doação de campanha), enquanto o "Globo", por exemplo, publicou declaração de gente próxima ao empresário desmentindo itens do que ele dissera.
A campanha começou para valer e promete novas reviravoltas na guerra suja de dossiês. Que os primeiros dias de março tenham servido para o jornal acelerar o aquecimento de seus músculos.



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