São Paulo, domingo, 17 de março de 2002

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Carnificina

Setenta e dois leitores procuraram o ombudsman indignados com a publicação da foto de um palestino esfaqueando um outro palestino em Ramallah (Cisjordânia), na capa de quarta-feira.
"Uma agressão", "chocante", "absurda", "desnecessária", "gratuita", "sensacionalista", "deprimente" -foram alguns adjetivos usados na indignação.
Eis trecho de e-mail de uma leitora de Ribeirão Preto (SP):
"Diariamente e impreterivelmente saio de casa às 6h15min com a Folha em mãos para levar minhas filhas de 8 e 11 anos para a escola. Durante o trajeto é uma disputa entre as duas para ler as manchetes e uma ou duas notícias do jornal. Saboreio diariamente o deleite de ambas adentrando o mundo no seu cotidiano jornalístico. Como fazemos rotineiramente, tomamos assento no veículo e eu imediatamente pedi à mais nova, que senta no banco de trás, que lesse as manchetes. Qual não foi a minha surpresa quando ela gritou em horror e tampou a foto em questão com as mãos e pediu que eu olhasse. Parei o carro e em choque disse que provavelmente havia sido uma escolha infeliz de ilustração. Pedi que deixasse a foto tampada e continuasse a leitura".
A questão já foi abordada aqui (julho de 2001) quando o jornal publicou foto de um ativista italiano morto pela polícia em Gênova (Itália) durante reunião do chamado Grupo dos 8.
Foi tema, também, de palestra na Organization of News Ombudsmen dada em abril passado pelo cinegrafista Talal Abou Rahme, que filmou a morte de um menino palestino de 12 anos, ao lado do pai, durante fogo cruzado em Gaza no dia 30 de setembro de 2000 -imagem que percorreu o mundo, não sem protesto, em especial de telespectadores franceses, os primeiros a assistirem à cena (veja reproduções no quadro acima).
Como escrevi em crítica interna na quarta-feira, "é sutil a fronteira (subjetiva) entre uma imagem que informa e expressa uma realidade cruel e uma outra que, além de fazê-lo, causa mal-estar, agride, horroriza sensibilidades".
Para Paula Cesarino Costa, secretária de Redação, "a publicação de fotos chocantes é sempre decisão controvertida. A Folha procura evitar a publicação de imagens agressivas cujo sentido se esgote em si mesmas. Mas considera legítima a publicação de imagens que ao serem chocantes revelem, por exemplo, os horrores da guerra e da intransigência, como nos pareceu ser o caso em questão".
O valor informativo e simbólico da imagem não está em jogo. Ela, porém, é de evento marginal no conflito israelo-palestino. Não foi o fato mais relevante do dia, tanto que recebeu na reportagem apenas quatro linhas.
Caberia publicá-la em página interna, como registro histórico? Sim. Elevá-la à capa, porém, foi ir além da fronteira, na busca do maior impacto.



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