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Carnificina
Setenta e dois leitores procuraram o ombudsman indignados
com a publicação da foto de um
palestino esfaqueando um outro
palestino em Ramallah (Cisjordânia), na capa de quarta-feira.
"Uma agressão", "chocante",
"absurda", "desnecessária",
"gratuita", "sensacionalista",
"deprimente" -foram alguns
adjetivos usados na indignação.
Eis trecho de e-mail de uma
leitora de Ribeirão Preto (SP):
"Diariamente e impreterivelmente saio de casa às 6h15min
com a Folha em mãos para levar
minhas filhas de 8 e 11 anos para
a escola. Durante o trajeto é uma
disputa entre as duas para ler as
manchetes e uma ou duas notícias do jornal. Saboreio diariamente o deleite de ambas adentrando o mundo no seu cotidiano jornalístico. Como fazemos
rotineiramente, tomamos assento no veículo e eu imediatamente pedi à mais nova, que senta no
banco de trás, que lesse as manchetes. Qual não foi a minha surpresa quando ela gritou em horror e tampou a foto em questão
com as mãos e pediu que eu
olhasse. Parei o carro e em choque disse que provavelmente havia sido uma escolha infeliz de
ilustração. Pedi que deixasse a
foto tampada e continuasse a
leitura".
A questão já foi abordada aqui
(julho de 2001) quando o jornal
publicou foto de um ativista italiano morto pela polícia em Gênova (Itália) durante reunião do
chamado Grupo dos 8.
Foi tema, também, de palestra
na Organization of News Ombudsmen dada em abril passado
pelo cinegrafista Talal Abou
Rahme, que filmou a morte de
um menino palestino de 12 anos,
ao lado do pai, durante fogo cruzado em Gaza no dia 30 de setembro de 2000 -imagem que
percorreu o mundo, não sem
protesto, em especial de telespectadores franceses, os primeiros a
assistirem à cena (veja reproduções no quadro acima).
Como escrevi em crítica interna na quarta-feira, "é sutil a
fronteira (subjetiva) entre uma
imagem que informa e expressa
uma realidade cruel e uma outra que, além de fazê-lo, causa
mal-estar, agride, horroriza sensibilidades".
Para Paula Cesarino Costa, secretária de Redação, "a publicação de fotos chocantes é sempre
decisão controvertida. A Folha
procura evitar a publicação de
imagens agressivas cujo sentido
se esgote em si mesmas. Mas
considera legítima a publicação
de imagens que ao serem chocantes revelem, por exemplo, os
horrores da guerra e da intransigência, como nos pareceu ser o
caso em questão".
O valor informativo e simbólico da imagem não está em jogo.
Ela, porém, é de evento marginal
no conflito israelo-palestino.
Não foi o fato mais relevante do
dia, tanto que recebeu na reportagem apenas quatro linhas.
Caberia publicá-la em página
interna, como registro histórico?
Sim. Elevá-la à capa, porém, foi
ir além da fronteira, na busca do
maior impacto.
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