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NO PLANALTO
Receita audita arrecadadores do caixa dois de FHC
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os arquivos da sala 201 do
prédio anexo à pasta da Fazenda guardam um dos mais preciosos segredos da República. Ali
funciona a Cofis (Coordenação de
Fiscalização da Receita Federal).
O órgão empreende, há cerca de
oito meses, uma auditoria nas declarações de rendimentos de pessoas que coletaram dinheiro para
o caixa dois das campanhas eleitorais de Fernando Henrique Cardoso.
Oito nomes compõem a lista sob
auditagem. Entre eles, os ex-ministros Luiz Carlos Bresser Pereira
(Administração), Andrea Matarazzo (Secretaria de Comunicação, hoje embaixador em Roma) e
até Sérgio Motta (Comunicações),
morto em 1998. Vasculham-se
ainda as declarações de Ricardo
Sérgio de Oliveira, ex-diretor do
Banco do Brasil. É arrebanhador
de fundos eleitorais também da
campanha de José Serra ao Senado, em 1994.
Submetidas ao pente-fino do setor de inteligência da Receita, as
declarações de Imposto de Renda
dessas pessoas apresentaram inconsistências. Daí a abertura da
auditoria. Funciona assim: a Receita intima os envolvidos, pede
que entreguem documentos adicionais, analisa-os e dá o veredicto, que pode ser de inocência.
O fisco age a pedido do Ministério Público. A inspeção concentra-se nos anos de 1998 e 1999. No caso
de Sérgio Motta, as notificações
são enviadas à viúva Wilma Motta, responsável pelo espólio do ministro.
A apuração que envolve Ricardo
"no limite da irresponsabilidade"
Sérgio chama especial atenção. Ele
movimentou no biênio 98/99
quantia superior a R$ 4,5 milhões,
o que equivale a algo como três
Jorge Murad e meio, para utilizar
unidade monetária muito em voga.
Descobriu-se o tamanho das
contas bancárias de Ricardo Sérgio graças às pegadas deixadas pela CPMF, o imposto do cheque.
Tudo estaria bem não fosse por
um detalhe: as declarações do ex-diretor do Banco do Brasil anotam rendimentos incompatíveis
com o volume de dinheiro que
transitou por suas contas.
Ricardo Sérgio foi informado da
encrenca em 6 de outubro de 2001.
Recebeu em casa um documento
chamado "termo de início de fiscalização". O papel o intimava a
fornecer documentos e informações.
No item número sete, os auditores da Receita anotaram: "Apresentar extratos bancários de conta
corrente e de aplicações financeiras, cadernetas de poupança, de
todas as contas mantidas junto a
instituições financeiras no Brasil e
no exterior (...)".
"Devassa violadora"
A resposta de Ricardo Sérgio foi
postada no dia 26 de outubro de
2001. Ao manuseá-la, os fiscais notaram uma ausência crucial: o envelope pardo não continha os extratos.
Em 28 de janeiro de 2002, Ricardo Sérgio recebeu novo documento da Receita. Chama-se "termo
de reintimação fiscal". Os auditores pediram, uma vez mais, os extratos. Datada de 14 de fevereiro
de 2002, a resposta do arrebanhador de fundos do alto tucanato
deixou evidente que não deseja
sair de seu habitat preferencial: a
sombra. Ele foi categórico:
"O pleito agora formulado por
V. Sas., de entrega de extratos
bancários indiscriminados (...),
sem qualquer indicação de ato ou
fato específico que se pretenda
apurar, constitui devassa violadora do meu direito constitucional e
legal ao sigilo bancário. Por não
terem V. Sas. apresentado qualquer justificativa para que eu abra
mão de tal direito, deixo de atender à reintimação (...)".
Receando que a Receita solicitasse diretamente aos bancos os
dados que não deseja ver expostos,
Ricardo Sérgio apressou-se em
constituir advogado. Chama-se
Luiz Rodrigues Corvo.
É titular da banca Corvo Advogados, de São Paulo. Entrou, em
25 de fevereiro, com ação na Justiça Federal de Brasília. Pediu e obteve liminar que breca temporariamente o ímpeto do fisco. Expediu-a a juíza Maísa Giudice, no
dia 28 de fevereiro.
O repórter chegou à devassa da
Receita seguindo rastros de tom
bordô gravados numa toalha de
mesa elegante de São Paulo. Dois
personagens notórios dividiram
uma garrafa de Petrus de boa safra. Um é empresário. O outro,
procurador das arcas de José Serra. Jantaram juntos há cerca de
três semanas.
Mordido à altura da sobremesa,
o empresário devolveu a dentada.
Mencionando o nome do secretário da Receita, Everardo Maciel,
queixou-se da sanha do fisco.
Ao relatar o diálogo a dois amigos, o coletor de fundos de campanha compadeceu-se do drama de
seu alvo. Sentia, ele próprio, o bafo
dos fiscais a esquentar-lhe a nuca.
Compõe a lista de pessoas intimadas por Brasília.
A ação que agora começa a dar
frutos tem origem remota. Nasceu
no final de 2000, a partir de reportagem da Folha. Os repórteres
Wladimir Gramacho e Andréa
Michael trouxeram à luz o conteúdo de planilhas eletrônicas do comitê de FHC. Descobriu-se que a
campanha da reeleição, em 1998,
fora abastecida por um caixa dois
de pelo menos R$ 10,12 milhões.
Roseana e Murad
Chama-se Guilherme Schelb o
procurador que conduz as apurações. Ele queria que a Receita esmiuçasse também os dados fiscais
de empresas. Mas as fiscais entenderam que não havia justificativa
para tanto. Concentraram os esforços na análise de dados relativos a pessoas físicas.
Completam a relação Egydio
Bianchi (ex-presidente dos Correios), Ademar Cesar Ribeiro (ex-diretor do antigo Bamerindus),
Luiz Fernando Furquim (publicitário) e Humberto Motta (Associação Comercial do Rio de Janeiro).
Partiu-se de uma listagem
maior, com 16 nomes. Porém, em
análise preliminar, o fisco excluiu
seis contribuintes (Kati Almeida
Braga, Eduardo Eugênio Gouveia
Vieira, Mário Petrelli, Jair Bilachi,
Pedro Pereira de Freitas e Pedro
Paulo Popovic). Avaliou-se que as
declarações deles não continham
indícios que justificassem um
aprofundamento da análise.
Bresser Pereira adotou procedimento inverso ao de Ricardo Sérgio. "A Receita me pediu toda a
documentação, inclusive extratos
bancários, que não sou obrigado a
mandar. Mas eu mandei tudo",
disse o ex-ministro. "Acho pouco
provável que descubram alguma
irregularidade nas minhas declarações."
Egydio Bianchi age do mesmo
modo: "Estou absolutamente
tranquilo. Portanto, colaboro com
a autoridade fiscal, fornecendo a
ela os elementos solicitados", diz.
Andrea Matarazzo também:
"Mandei todos os esclarecimentos,
sem problema nenhum".
Ricardo Sérgio argumenta que é
comum que a Receita faça confusão entre renda e movimentação
bancária. Pelas contas que fez,
acha que abrigou em suas contas
importância bem superior aos cerca de R$ 4,5 milhões detectados
pelo fisco.
A Receita tem o direito de pedir
o que quiser, diz ele. Mas não entregará o que, a seu juízo, a Constituição diz que não é devido. Para
ele, o ônus da prova é da Receita.
Seu raciocínio é corroborado pelo
advogado. Corvo diz que, para ter
acesso a extratos, os fiscais precisam obter ordem judicial.
Exceto por Luiz Fernando Furquim e Ademar Cesar Ribeiro, que
não foram localizados, todos os
demais investigados receberam telefonema do repórter. Alguns não
deram resposta aos recados.
Nos próximos dias, a Receita
passará a se ocupar também de
pessoas caras à cúpula do PFL: a
presidenciável Roseana Sarney e
seu marido, Jorge Murad. Por solicitação do Ministério Público
(sempre ele), serão revirados os
dados fiscais de empresas como
Lunus, Agrima, Nova Holanda e
Usimar. Compõem o nicho do escândalo da Sudam adstrito a Jorge
Murad e cia.
As investigações se processam
em meio a pressões que buscam
encurtar a permanência de Everardo Maciel na Receita. É vigoroso o movimento em defesa de sua
transferência para a pasta da Previdência.
Em tempo: a despeito dos queixumes contra a Receita, o empresário contatado no jantar paulista
prometeu ajuda financeira ao comitê de Serra. Condicionou o
montante ao desempenho do candidato nas pesquisas.
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