São Paulo, domingo, 17 de março de 2002

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RAIO X

Lula busca alianças à direita e investe no petismo de resultados

Líder do PT exibe traços caudilhescos e busca amenizar discurso para evitar nova derrota

PLÍNIO FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

O Luiz Inácio Lula da Silva que os petistas confirmam hoje como candidato a presidente da República pela quarta vez consecutiva está mais conservador do que em 1989, menos controlado pelas alas radicais do que em 1994 e mais contestado como líder internamente do que em 1998.
Para arrepio do próprio, é fato que Lula está menos petista do que antes- se verá por quais motivos- e com traços identificados como caudilhescos por seus companheiros. Chegou a ameaçar desistir da sua candidatura, quando teve contestada sua aproximação com o PL de José Alencar e Luiz Antonio de Medeiros, o primeiro um grande empresário do setor têxtil, o segundo o maior líder da Força Sindical, adversária da CUT, aliada petista.
Afastado da rotina partidária desde 1995, quando saiu da presidência do PT e acabrunhou-se com a derrota para Fernando Henrique Cardoso, Lula deixou de frequentar quase diariamente a sede do partido.
Passou a dar expediente no Instituto Cidadania (leia texto na pág. A-16), organização não-governamental com a qual se protegeu das maledicências de não ter um emprego -acusação constante dos adversários- e de ver-se atingido pelo fim de sua unanimidade interna.

Erros
A derrota para Fernando Henrique Cardoso em 1994 mostrou que o comando de campanha de Lula cometeu equívocos. Em maio daquele ano, o PT assim diagnosticava o futuro do Real e da candidatura tucana: "As chances de sucesso eleitoral de FHC, baseadas em boa medida no plano econômico concebido para ser mais um estelionato eleitoral, são reduzidas: falta ao "cruzado dos ricos" o mínimo apelo popular".
O país estava apenas a dois meses do início de circulação do real, que viria provocar imediata virada eleitoral em favor de FHC.
À falta de tino econômico juntou-se, no campo político, um voluntarismo ingênuo: "É preciso reafirmar e frisar que, nesta disputa histórica de 1994, o resultado do jogo será menos decidido pelos esquemas eletrônicos de propaganda na TV, pelos recursos tecnológicos e financeiros de cada candidato. O jogo será decidido pela raça dos que entrarem na luta com disposição de ganhar."
O PT colocara o velhaco jargão sindical-futebolístico da "raça" no lugar do confronto de classes marxista. "As eleições de 1994 revelaram, de forma definitiva, a precariedade de nossa organização, de nossas finanças, o caráter amador de nosso trabalho de direção e a consequente necessidade de qualificá-lo", admitiram os petistas em documento de 1995.

Mudança
Operado por José Dirceu -que foi eleito presidente em 1995, com 54,02% dos votos, e reeleito em 1997, 1999 e 2001- o partido iniciou a aproximação com o centro.
Em dezembro de 1987, programaticamente o PT propunha "a estatização da indústria do cimento, para viabilizar construção de moradias", para citar uma das medidas que propugnava.
Defendia o enfrentamento: "Sendo um partido da luta social, o PT está presente em todas as greves, lutas populares e ocupações de terra. Quando há repressão, existe imagem de "bagunça", e um partido realmente comprometido com as lutas do povo não tem por que fugir disso".
A perda da radicalidade antes louvada começou a ser realçada com a eleição de 1998. O partido via-se enfraquecido pela consolidação da hegemonia que batizou de neoliberal. Esqueceu-se das críticas a Leonel Brizola (PDT) e Orestes Quércia (PMDB), antes definidos como a "serviço da direita", e aceitou-os a seu lado.
Perderam juntos. Mas foi consolidada a estratégia delineada por Lula em 98 e agora consolidada. Ser maior que o partido, portanto, menos petista.
Resultou na atual política de alianças que tenta acordos com PL e parte do PMDB. E, na atual diretriz de governo, que troca, por exemplo, a suspensão do pagamento da dívida pela "redução substantiva e progressiva do comprometimento das receitas com o pagamento de juros".
A guinada ao centro vale também para o marketing eleitoral. Em 1989, os petistas formularam um conceito em que dificilmente se enquadraria o trabalho de Duda Mendonça, que cuidará da campanha deste ano numa linha que já anunciou como emotiva. "Programas devem combinar o conteúdo político geral da campanha com formas estéticas, criativas e originais, que não descaracterizem aquele conteúdo."

Chances
Lula repete ser esta a eleição em que vê mais chances de vitória. Ficou tão descontente com as prévias que, na reunião interna em um hotel em Recife em que aceitou disputá-la, disse: "Vocês podem me inscrever, mas essa prévia é artificial. Não vou bater boca", relata um participante.
Esse tipo de atitude -somada a questões de comportamento como dirigir-se a membros da direção nacional do partido com o vocativo "meus filhos"- faz com que petistas apontem traços caudilhescos em Lula. Acha-se credor em suas relações com os atuais dirigentes partidários, sem que esses reconheçam suas dívidas. Maior que o PT Lula é, mas o PT não é só Lula, afirma um petista.
Religioso, casado há 28 anos com Marisa, Lula não é um homem de livros. "Ele não precisa. Conversa com os autores. Com sua inteligência, capta tudo", declara Frei Betto, amigo próximo.
Desde janeiro, Lula tem se dedicado mais a prazeres caseiros, como cozinhar, do que à campanha. A partir de quarta-feira, quando sai o resultado das prévias, volta às ruas e às viagens, com visitas a Argentina, Chile, França e Estados Unidos até maio.



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