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RAIO X
Partido aumenta presença institucional e esfria relação com o que era uma de suas bases
PT se profissionaliza, cresce e se afasta dos movimentos sociais
XICO SÁ
FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL
Um partido "diferente de tudo
que está ai". O velho bordão de
militantes petistas não cabe mais
no figurino da legenda. O PT, 22,
cresceu no embalo da vocação
eleitoral, se institucionalizou e tomou feições burocráticas. A militância deu lugar à profissionalização e o partido praticamente divorciou-se dos movimentos sociais que lhe serviram de fermento e o impulsionaram na origem.
Até mesmo as afinidades eletivas entre os dirigentes petistas e
os líderes de sindicatos, fundadores da sigla, foram arruinadas. O
aceno do pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva para obter o
apoio do deputado Luiz Antonio
de Medeiros (PL) vai demorar para ser digerido no setor, que vê no
criador da Força Sindical um inimigo declarado.
"É muito triste esse distanciamento, hoje existe praticamente
uma relação eleitoral e apoio logístico em algumas ocasiões",
constata Raimundo Bonfim,
coordenador da CMP (Central
dos Movimentos Populares), uma
espécie de CUT dos excluídos
-reúne 4.000 organizações de
sem-tetos, entidades da área de
saúde, educação, transportes, direitos humanos etc.
Prevalece entre o partido e as
chamadas bases uma convivência
pragmática. A revolta, cujo motivo principal é a falta de atenção
combinada a um desprezo caseiro, tem sido abafada apenas para
não provocar estragos na candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, que leva o voto dos militantes,
mas não com a passionalidade e
admiração de eleições passadas.
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), mais
vistosa organização social dos últimos dez anos, pena para ser ouvido pela direção do PT. O mesmo ocorre com a Central dos Movimentos Populares, que agrega
entidades em todo o país, e não teve oportunidade de opinar sobre
programa de governo.
"Reforma agrária não pode ser
discutida apenas no Instituto de
Cidadania", diz João Paulo Rodrigues, um dos coordenadores nacionais do MST. "Depois das prévias de domingo (hoje), o debate
precisa ser ampliado, com a nossa
participação e não apenas com os
intelectuais de lá", diz.
A direção do movimento avisa,
no entanto, que não largará seus
métodos, como as invasões de terra, por exemplo, o que, em tese
prejudicariam, por associação ao
PT, a candidatura Lula. "Não deixaremos de realizar ocupações
em terras improdutivas, bloquear
estradas e continuar com a nossa
luta pelo fato de ser ano eleitoral",
afirma Rodrigues.
O secretário de Movimentos
Populares do PT, Jorge Almeida,
reconhece que o distanciamento
das organizações sociais é um
problema que deve ser enfrentado pela legenda. "Não é que o partido não esteja presente, mas tem
dado mais atenção ao institucional, o que afasta um pouco a militância", diz o dirigente petista.
Segundo Almeida, os movimentos terão espaço na campanha e serão ouvidos em breve. Sobre as queixas dos sem-terra, rebate: "O MST muitas vezes toma
atitudes sem sequer contar aos
seus aliados. O partido não tem
obrigação de apoiar tudo".
Engajamento católico
Com a Igreja Católica, um dos
pilares históricos da militância
petista, as relações também não
são tranquilas. Parte da cúpula se
manifestou recentemente, quando Lula ensaiou aliança com o PL
do senador José Alencar (MG) e
de parlamentares ligados à Igreja
Universal do Reino de Deus.
O vice-presidente da CNBB
(Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil), d. Marcelo Carvalheira, afirmou que a união assustava
e preocupava.
Nas CEB's, as comunidades
eclesiais de base, que tiveram papel fundamental na fundação e no
crescimento do PT, o encanto já
não é o mesmo com os petistas.
O partido atribui a redução no
grau de militância ao enfraquecimento da Teologia da Libertação,
corrente filosófica que une marxismo e cristianismo, no comando da igreja. A ascensão dos carismáticos, cristãos que preferem
atitudes espirituais a ações sociais
engajadas, seria responsável pela
nova realidade.
"A militância na base da igreja
não tem o mesmo ritmo dos primeiros anos do PT, mas existe e
ainda é forte", diz o ex-vereador
de São Paulo Francisco Whitaker,
secretário-executivo da Comissão
de Justiça e Paz da CNBB. "Eu diria que agora a relação tem uma
velocidade de cruzeiro".
Nos grotões
A recente falta de empolgação
que contamina a convivência do
PT com os movimentos sociais é
um mal crônico na tentativa angariar a simpatia dos eleitores dos
grotões do Brasil.
O partido é poderoso nos conglomerados urbanos -tem sete
prefeituras de capital, três governos estaduais e 28 cidades com
mais de 200 mil habitantes. Mas
apresenta imensa fragilidade no
interior do país. Em alguns Estados, tem estatura de "nanico".
Na eleição municipal de 2000,
colheu uma vitória inquestionável ao passar a governar 28,8 milhões de habitantes.
São, contudo, apenas 187 prefeituras em todo o Brasil -cinco vezes menos que o PFL, por exemplo. De toda a população governada pelo PT nas cidades, 82,2%
estão concentradas nas cidades
com mais de 200 mil habitantes.
Em que pese o esforço de Lula
de viajar pelo interior em "caravanas" e da relação próxima de setores do partido com sindicatos rurais e a Igreja, o PT ainda patina
no chamado "Brasil profundo".
"Não é fácil competir com o coronelismo, as oligarquias e o personalismo nas pequenas cidades.
Não é fácil inaugurar uma nova
prática política", diz a cientista
política Maria Victoria Benevides,
professora da USP. Lentamente,
diz ela, o partido vai se "capilarizando". "O avanço para o interior
é o próximo movimento do PT,
agora que sua presença na cidades
está consolidada", diz ela.
O "avanço" ainda é muito inconstante. No Centro-Sul, o partido elevou sua presença em cidades de menos de 50 mil habitantes. Há bolsões petistas em regiões
como o norte de São Paulo, o oeste catarinense, o sul gaúcho e o vale do Aço, em Minas Gerais.
Nos Estados mais periféricos,
no entanto, o PT é quase uma força negligenciável. Em Roraima,
não tem deputados ou prefeitos
-com apenas um vereador, é
menor que o PSL. No Mato Grosso, tem apenas duas prefeituras.
No Rio Grande do Norte, apenas a
pequena Grossos é petista.
O partido não tem candidatos
com viabilidade eleitoral em muitos Estados: Paraíba, Rio Grande
do Norte, Piauí, Roraima, Amazonas, Rondônia, Tocantins e
Mato Grosso são exemplos.
"O PT sempre foi predominantemente urbano. Nessas regiões a
política é mais competitiva e abre
espaços a propostas mais modernas. Essa abertura não ocorre nos
municípios e regiões mais distantes, onde a política local em boa
medida ainda segue as orientações da política tradicional", diz a
professora Rachel Meneguello,
coordenadora do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp e autora do livro "PT: a Formação de um Partido".
Após a eleição de 2000, o partido, consciente de sua fragilidade
no interior, traçou um plano para
crescer nos "grotões". A estratégia
passa pela maior inserção nos
municípios -das 5.500 cidades
do Brasil, o PT está organizado
em cerca de 3.000. Será feita a partir da influência de cidades médias que possui, como Ribeirão
Preto (SP), Vitória da Conquista
(BA) e Imperatriz (MA).
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