São Paulo, domingo, 17 de março de 2002

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RAIO X

Partido aumenta presença institucional e esfria relação com o que era uma de suas bases

PT se profissionaliza, cresce e se afasta dos movimentos sociais

XICO SÁ
FÁBIO ZANINI

DA REPORTAGEM LOCAL Um partido "diferente de tudo que está ai". O velho bordão de militantes petistas não cabe mais no figurino da legenda. O PT, 22, cresceu no embalo da vocação eleitoral, se institucionalizou e tomou feições burocráticas. A militância deu lugar à profissionalização e o partido praticamente divorciou-se dos movimentos sociais que lhe serviram de fermento e o impulsionaram na origem.
Até mesmo as afinidades eletivas entre os dirigentes petistas e os líderes de sindicatos, fundadores da sigla, foram arruinadas. O aceno do pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva para obter o apoio do deputado Luiz Antonio de Medeiros (PL) vai demorar para ser digerido no setor, que vê no criador da Força Sindical um inimigo declarado.
"É muito triste esse distanciamento, hoje existe praticamente uma relação eleitoral e apoio logístico em algumas ocasiões", constata Raimundo Bonfim, coordenador da CMP (Central dos Movimentos Populares), uma espécie de CUT dos excluídos -reúne 4.000 organizações de sem-tetos, entidades da área de saúde, educação, transportes, direitos humanos etc.
Prevalece entre o partido e as chamadas bases uma convivência pragmática. A revolta, cujo motivo principal é a falta de atenção combinada a um desprezo caseiro, tem sido abafada apenas para não provocar estragos na candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, que leva o voto dos militantes, mas não com a passionalidade e admiração de eleições passadas.
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), mais vistosa organização social dos últimos dez anos, pena para ser ouvido pela direção do PT. O mesmo ocorre com a Central dos Movimentos Populares, que agrega entidades em todo o país, e não teve oportunidade de opinar sobre programa de governo.
"Reforma agrária não pode ser discutida apenas no Instituto de Cidadania", diz João Paulo Rodrigues, um dos coordenadores nacionais do MST. "Depois das prévias de domingo (hoje), o debate precisa ser ampliado, com a nossa participação e não apenas com os intelectuais de lá", diz.
A direção do movimento avisa, no entanto, que não largará seus métodos, como as invasões de terra, por exemplo, o que, em tese prejudicariam, por associação ao PT, a candidatura Lula. "Não deixaremos de realizar ocupações em terras improdutivas, bloquear estradas e continuar com a nossa luta pelo fato de ser ano eleitoral", afirma Rodrigues.
O secretário de Movimentos Populares do PT, Jorge Almeida, reconhece que o distanciamento das organizações sociais é um problema que deve ser enfrentado pela legenda. "Não é que o partido não esteja presente, mas tem dado mais atenção ao institucional, o que afasta um pouco a militância", diz o dirigente petista.
Segundo Almeida, os movimentos terão espaço na campanha e serão ouvidos em breve. Sobre as queixas dos sem-terra, rebate: "O MST muitas vezes toma atitudes sem sequer contar aos seus aliados. O partido não tem obrigação de apoiar tudo".

Engajamento católico
Com a Igreja Católica, um dos pilares históricos da militância petista, as relações também não são tranquilas. Parte da cúpula se manifestou recentemente, quando Lula ensaiou aliança com o PL do senador José Alencar (MG) e de parlamentares ligados à Igreja Universal do Reino de Deus.
O vice-presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), d. Marcelo Carvalheira, afirmou que a união assustava e preocupava.
Nas CEB's, as comunidades eclesiais de base, que tiveram papel fundamental na fundação e no crescimento do PT, o encanto já não é o mesmo com os petistas.
O partido atribui a redução no grau de militância ao enfraquecimento da Teologia da Libertação, corrente filosófica que une marxismo e cristianismo, no comando da igreja. A ascensão dos carismáticos, cristãos que preferem atitudes espirituais a ações sociais engajadas, seria responsável pela nova realidade.
"A militância na base da igreja não tem o mesmo ritmo dos primeiros anos do PT, mas existe e ainda é forte", diz o ex-vereador de São Paulo Francisco Whitaker, secretário-executivo da Comissão de Justiça e Paz da CNBB. "Eu diria que agora a relação tem uma velocidade de cruzeiro".

Nos grotões

A recente falta de empolgação que contamina a convivência do PT com os movimentos sociais é um mal crônico na tentativa angariar a simpatia dos eleitores dos grotões do Brasil.
O partido é poderoso nos conglomerados urbanos -tem sete prefeituras de capital, três governos estaduais e 28 cidades com mais de 200 mil habitantes. Mas apresenta imensa fragilidade no interior do país. Em alguns Estados, tem estatura de "nanico".
Na eleição municipal de 2000, colheu uma vitória inquestionável ao passar a governar 28,8 milhões de habitantes.
São, contudo, apenas 187 prefeituras em todo o Brasil -cinco vezes menos que o PFL, por exemplo. De toda a população governada pelo PT nas cidades, 82,2% estão concentradas nas cidades com mais de 200 mil habitantes.
Em que pese o esforço de Lula de viajar pelo interior em "caravanas" e da relação próxima de setores do partido com sindicatos rurais e a Igreja, o PT ainda patina no chamado "Brasil profundo".
"Não é fácil competir com o coronelismo, as oligarquias e o personalismo nas pequenas cidades. Não é fácil inaugurar uma nova prática política", diz a cientista política Maria Victoria Benevides, professora da USP. Lentamente, diz ela, o partido vai se "capilarizando". "O avanço para o interior é o próximo movimento do PT, agora que sua presença na cidades está consolidada", diz ela.
O "avanço" ainda é muito inconstante. No Centro-Sul, o partido elevou sua presença em cidades de menos de 50 mil habitantes. Há bolsões petistas em regiões como o norte de São Paulo, o oeste catarinense, o sul gaúcho e o vale do Aço, em Minas Gerais.
Nos Estados mais periféricos, no entanto, o PT é quase uma força negligenciável. Em Roraima, não tem deputados ou prefeitos -com apenas um vereador, é menor que o PSL. No Mato Grosso, tem apenas duas prefeituras. No Rio Grande do Norte, apenas a pequena Grossos é petista.
O partido não tem candidatos com viabilidade eleitoral em muitos Estados: Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Roraima, Amazonas, Rondônia, Tocantins e Mato Grosso são exemplos.
"O PT sempre foi predominantemente urbano. Nessas regiões a política é mais competitiva e abre espaços a propostas mais modernas. Essa abertura não ocorre nos municípios e regiões mais distantes, onde a política local em boa medida ainda segue as orientações da política tradicional", diz a professora Rachel Meneguello, coordenadora do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp e autora do livro "PT: a Formação de um Partido".
Após a eleição de 2000, o partido, consciente de sua fragilidade no interior, traçou um plano para crescer nos "grotões". A estratégia passa pela maior inserção nos municípios -das 5.500 cidades do Brasil, o PT está organizado em cerca de 3.000. Será feita a partir da influência de cidades médias que possui, como Ribeirão Preto (SP), Vitória da Conquista (BA) e Imperatriz (MA).






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